Karatê, portador de mal irreversível, vive há anos
nas ruas da cidade, cujos espaços ele tem como seu habitat natural.
Até a
idade 22 anos trabalhava normalmente, tendo inclusive sido admitido como
servidor da Casa Santa Terezinha, localizada na Praça Dr.Mílton. Karatê era o
operador na entrega de botijões de gás de cozinha, no período em que o seu
proprietário, o saudoso empresário Fernando de Minho, comercializava o produto.
A partir dos 23 anos idade, uma espécie de esquizofrenia começou a fragilizar
seu equilíbrio mental, Karatê abandonou o trabalho, passou a ser morador de
rua, dormindo ao relento noites sucessivas, cujo hábito sustenta até hoje.
Naquele período, ante o quadro de visível incapacidade, Fernando de Minho urgiu
todas as providências com que Karatê retornasse a dormir na casa em que vivia,
mas não teve êxito. Tendo em vista a gravidade de seu estado mental, não mais
se permitindo a manter o menor diálogo compreensivo com pessoas de suas
relações, Karatê passou a articular frases ininteligíveis, sem quaisquer
sentidos com que se possa estabelecer com ele relação de comunicação. Fumante
inveterado, Karatê traga cigarros continuamente, os quais ele mesmo produz artesanalmente
com material apropriado que compra no comércio local.
Incapaz
Karatê se
alimenta de produtos que pede em residências por ele mesmo escolhidas,
desde o café da manhã, almoço e janta. Banha-se nos riachos que deságuam no Rio
Paraguaçu, ninguém sabe onde faz as necessidades fisiológicas. É discreto e
muito particular em relações como esta. Gosta
de roupa limpa, antes ele mesmo as lavava e secava. Usa e adora calçar
sandálias, as quais não duram mais que uma semana, pois, se rasgam, quebram-se
de tanto ele circular nas ruas da cidade. É discreto e inofensivo,
mas se apavora quando se fala de levá-lo a morar numa casa ou de interná-lo num
centro de recuperação.
Histórico
O Jornal
O Guarany produziu uma reportagem no início de suas primeiras edições,
relatando a prisão de Karatê pelo truculento delegado Edelzaías, nos idos de
1980. Sem qualquer acusação formal, só por instinto de perversidade, Edelzaias
usou dois subordinados e sob seu
comando, os mencionados soldados e o próprio Edelzaías surraram Karatê na cela
fria e fedorenta da Delegacia. Quebraram-lhe a perna, deram-lhe um banho gelado
na madrugada. Karatê se queixou de dor dente. Edelzaías mandou um dos seus
comandados ver um alicate com que extraiu a força o dente da vítima inofensiva.
Atrocidades como as relatadas e tantas outras praticadas pelo delegado
Edelzaías não moveram nenhuma autoridade nem quaisquer representantes dos
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da época, a reagiram – optaram pelo
silêncio. Nunca se esboçou a menor idéia de propor ao governo a sua exoneração.
Foi preciso que um cidadão comum, gente do povo, ao ser provocado e ao
presenciar mais uma das atrocidades do referido delegado, o enfrentou, enfiando-lhe
uma faca que penetrou fundo nos pulmões, rins, coração, etc. com que em
menos de 30 minutos, os médicos que o assistiram no Hospital da Santa
Casa da Cachoeira, atestaram “confortavelmente” a sua morte.
Situação
atual
Tendo em
vista laços de parentesco com Karatê, um primo do inválido foi indicado por
familiares para oficializar a assistência que há dois anos ele e sua esposa
prestam a Karatê, como refeições, roupas, sandálias, água, medicamentos,
assistência de enfermagem e médica, etc. Tudo operacionalizado nas ruas,
conforme vontade do próprio inválido, embora familiares houvessem
disponibilizado um ambiente da própria casa para Karatê morar – o que ele nunca
aceitou. O curador oficial, nomeado pela Justiça, autorizou ao Armazém Souza a
despachar produtos alimentícios diretamente a Karatê, todas as vezes que
solicitar, cujo pagamento é feito no dia 28 de cada mês. O curador relata
formalmente ao MP, mensalmente, sobre a operacionalidade dos benefícios da
aposentadoria de Karatê, sob sua direção.
Aposentadoria
por invalidez
Tendo em
vista a absoluta incapacidade para o trabalho, após passar por exames
médicos, procedimentos na área de psiquiatria e a operacionalização da
documentação instruída pela legislação, o INSS deferiu a aposentadoria de
Karatê por invalidez, há mais de 25
anos. A conta bancária aberta na
agência local do Bradesco, na qual o INSS depositou mensalmente os valores do
benefício da aposentadoria do referido inválido, durante anos sucessivos, gerou
um saldo que até 2010, beirava o montante de quase R$100 reais, valores,
segundo o atual curador, não lhe foram repassados, com que pudesse assegurar ao
assistido, assistência médica, psicológica, psiquiátrica, moradia,
indumentária, promover a melhora do seu estado mental, sua ressocialização,
enfim, qualidade de vida mais digna.
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