sábado, 1 de março de 2014

EM CACHOEIRA/BAHIA



Karatê, portador de mal irreversível, vive há anos nas ruas da cidade, cujos espaços ele tem como seu habitat natural.


Até a idade 22 anos trabalhava normalmente, tendo inclusive sido admitido como servidor da Casa Santa Terezinha, localizada na Praça Dr.Mílton. Karatê era o operador na entrega de botijões de gás de cozinha, no período em que o seu proprietário, o saudoso empresário Fernando de Minho, comercializava o produto. A partir dos 23 anos idade, uma espécie de esquizofrenia começou a fragilizar seu equilíbrio mental, Karatê abandonou o trabalho, passou a ser morador de rua, dormindo ao relento noites sucessivas, cujo hábito sustenta até hoje. Naquele período, ante o quadro de visível incapacidade, Fernando de Minho urgiu todas as providências com que Karatê retornasse a dormir na casa em que vivia, mas não teve êxito. Tendo em vista a gravidade de seu estado mental, não mais se permitindo a manter o menor diálogo compreensivo com pessoas de suas relações, Karatê passou a articular frases ininteligíveis, sem quaisquer sentidos com que se possa estabelecer com ele relação de comunicação. Fumante inveterado, Karatê traga cigarros continuamente, os quais ele mesmo produz artesanalmente com material apropriado que compra no comércio local.

Incapaz
Karatê se alimenta de produtos  que pede em residências por ele mesmo escolhidas, desde o café da manhã, almoço e janta. Banha-se nos riachos que deságuam no Rio Paraguaçu, ninguém sabe onde faz as necessidades fisiológicas. É discreto e muito particular em  relações como esta. Gosta de roupa limpa, antes ele mesmo as lavava e secava. Usa e adora calçar sandálias, as quais não duram mais que uma semana, pois, se rasgam, quebram-se de tanto ele circular nas ruas da cidade.   É discreto e inofensivo, mas se apavora quando se fala de levá-lo a morar numa casa ou de interná-lo num centro de recuperação.


Histórico
O Jornal O Guarany produziu uma reportagem no início de suas primeiras edições, relatando a prisão de Karatê pelo truculento delegado Edelzaías, nos idos de 1980. Sem qualquer acusação formal, só por instinto de perversidade, Edelzaias usou dois subordinados e  sob seu comando, os mencionados soldados e o próprio Edelzaías surraram Karatê na cela fria e fedorenta da Delegacia. Quebraram-lhe a perna, deram-lhe um banho gelado na madrugada. Karatê se queixou de dor dente. Edelzaías mandou um dos seus comandados ver um alicate com que extraiu a força o dente da vítima inofensiva.  Atrocidades como as relatadas e tantas outras praticadas pelo delegado Edelzaías não moveram nenhuma autoridade nem quaisquer representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da época, a reagiram – optaram pelo silêncio. Nunca se esboçou a menor idéia de propor ao governo a sua exoneração. Foi preciso que um cidadão comum, gente do povo, ao ser provocado  e ao presenciar mais uma das atrocidades do referido delegado, o enfrentou, enfiando-lhe uma faca  que penetrou fundo nos pulmões, rins, coração, etc. com que em menos de 30 minutos, os médicos que o assistiram  no Hospital da Santa Casa da Cachoeira, atestaram “confortavelmente” a sua morte.

Situação atual
Tendo em vista laços de parentesco com Karatê, um primo do inválido foi indicado por familiares para oficializar a assistência que há dois anos ele e sua esposa prestam a Karatê, como refeições, roupas, sandálias, água, medicamentos, assistência de enfermagem e médica, etc. Tudo operacionalizado nas ruas, conforme vontade do próprio inválido, embora familiares houvessem disponibilizado um ambiente da própria casa para Karatê morar – o que ele nunca aceitou. O curador oficial, nomeado pela Justiça, autorizou ao Armazém Souza a despachar produtos alimentícios diretamente a Karatê, todas as vezes que solicitar, cujo pagamento é feito no dia 28 de cada mês. O curador relata formalmente ao MP, mensalmente, sobre a operacionalidade dos benefícios da aposentadoria de Karatê, sob sua direção.

Aposentadoria por invalidez
Tendo em vista a absoluta incapacidade para o  trabalho, após passar por exames médicos, procedimentos na área de psiquiatria e a operacionalização da documentação instruída pela legislação, o INSS deferiu a aposentadoria de Karatê por invalidez, há mais de 25  anos. A conta bancária aberta  na agência local do Bradesco, na qual o INSS depositou mensalmente os valores do benefício da aposentadoria do referido inválido, durante anos sucessivos, gerou um saldo que até 2010, beirava o montante de quase R$100 reais, valores, segundo o atual curador, não lhe foram repassados, com que pudesse assegurar ao assistido, assistência médica, psicológica, psiquiátrica, moradia, indumentária, promover a melhora do seu estado mental, sua ressocialização, enfim, qualidade de vida mais digna.


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