Na esteira do jurista Ives Gandra,
prócer do conservadorismo político e um dos advogados mais respeitados
do país, chegou a vez do também advogado e professor Cláudio Lembo,
ex-governador de São Paulo e um dos principais aliados do candidato
derrotado nas últimas eleições presidenciais José Serra, abrir uma
pesada crítica ao “julgamento medieval” da Ação Penal 470, na Suprema
Corte de Justiça do país.
Em artigo publicado nesta segunda-feira na coluna do jornalista Bob Fernandes, no site Terra, Lembo segue na linha de que o ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas. Leia, a seguir, o artigo intitulado O mensalão e a democracia:
“Os valores culturais formam as nacionalidades. Indicam seus modos de
encarar o mundo e reconhecer seus iguais. Em cada sociedade eles se
apresentam de maneira singular.
Algumas nacionalidades tendem ao espírito guerreiro. Outras às artes.
Muitas atuam em duelos tribais. Umas poucas se dedicam à contemplação
do universo.
Os brasileiros recolhem muitos destes atributos e acrescentam um
traço característico. Todo brasileiro é técnico de futebol. É o que se
dizia até passado recente.
Agora, o Brasil profundo, aquele que foi forjado pelo bacharelismo,
veio à tona. Com o julgamento do mensalão, todos se voltaram a ser
rábulas, práticos da advocacia.
A audiência da televisão pública, destinada aos assuntos da Justiça,
superou a de todos os demais canais. As sessões do Supremo Tribunal
Federal foram assistidas, em silêncio, por multidões.
São os adeptos do novo espetáculo. O conflito de posições entre
personalidades relevantes do cenário público: os ministros da mais alta
Corte do Judiciário.
Há, neste fenônemo, aspectos a serem considerados e merecem reflexão.
Certamente, o acontecimento demonstra que a cidadania deseja saber como
atua seu Judiciário. Moroso e repleto de jogos de palavras.
Outro aspecto se concentra no próprio objeto da causa e em seus
personagens, os réus da ação. Quantos temas novos surgiram e como os
réus foram expostos sem qualquer reserva.
Alteraram-se visões jurisprudênciais remansosas e de longa maturação.
Não houve preservação da imagem de nenhum denunciado. Como nos antigos
juízos medievais, foram expostos à execração pública.
O silêncio a respeito foi unânime. O princípio da publicidade foi
levado ao extremo. Esta transparência permitiu, inclusive, a captação de
conflitos verbais entre magistrados.
A democracia se aperfeiçoa mediante o seu exercício continuo. O
julgamento do mensalão foi o mais exposto da História política nacional.
Foi bom e ao mesmo tempo preocupante.
Aprendeu-se a importância do bem viver e os danos pessoais – além das
penas privativas da liberdade – à imagem dos integrantes do rol de
réus. A lição foi amarga.
Toda a cidadania se manifestou a respeito do julgamento. Os meios de
comunicação nem sempre foram imparciais no acompanhamento do importante
episódio.
Alguns veículos aproveitaram a oportunidade para expor as suas
idiossincrasias com agressividade. Aqui, mais uma lição deste
julgamento. Seria oportuno um maior equilíbrio na informação.
Isto faria bem à democracia e aos autores do noticiário. Equilíbrio e
imparcialidade são essenciais para o desenvolvimento de uma boa prática
política.
Um ponto ainda a ser considerado. O comportamento dos próprios
ministros. Alguns se mostraram agressivamente contrários a determinadas
figuras em julgamento. A televisão capta o pensamento íntimo das
pessoas.
Houve também ministros que bravamente aplicaram a lei de forma
impessoal. Foram chamados de legalistas. Bom que assim seja. As
concepções contemporâneas do Direito, por vezes, fragilizam a segurança
jurídica.
Portou-se com destemor o Ministro Enrique Ricardo Lewandowski. Soube
suportar posições de confronto com altivez e respeito ao Direito.
Terminada sua missão de revisor, surgem as primeiras manifestações
favoráveis à sua atuação.
São muitas, pois, a lições recolhidas do julgamento do mensalão, em
sua primeira etapa. Os brasileiros, rábulas por ativismo, aguardam
ansiosos os novos capítulos.
Não haverá a mesma emoção no futuro. A democracia é exercício.
Aprendeu-se muito com as sessões do Supremo Tribunal Federal nestes
últimos seis meses, inclusive controlar as animosidades”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário