Por Claudio Rafael Almeida de Souza*
Muitas são as simbologias e signos que representam a Independência da Bahia, mas o símbolo que em suma demonstra naturalidade, brasilidade, e por isso foi adotado a partir do século XIX, é o Cabloco. Segundo a professora de história da Universidade Federal da Bahia, Wlamyra Albuquerque, em entrevista à Revista Bahia de Todos os Cantos (Outubro de 2009, p.10): “[...] naquela época, o Romantismo elegeu o índio como símbolo do Brasil. Ele significa uma nação independente da matriz européia. É a apropriação cultural-política do índio como estandarte nacional”.
Ainda segundo aos dados da entrevista, a figura do índio não ficou somente como estandarte nacional intocável. Na luta movida pelo civismo, houve a participação efetiva dos índios, lutando em meio às tropas brasileiras, como nos embates que aconteceram na Ilha de Itaparica. A presença dos caboclos junto às tropas que lutavam contra a Coroa Portuguesa reforçava a idéia de que a nação era justificada por meio da matriz indígena.
Sobre o termo Caboclo, tanto em Guilherme Castro (2009, p. 1) quanto em Hendrick Kraay (2000, p.59) “[...] se refere à população rural de origem mista, especialmente à que tem traços de ascendência indígena; historicamente, todavia, caboclo era freqüentemente sinônimo de índio”. Ambos os autores buscam referência no Dicionário do Folclore Brasileiro de Câmara Cascudo, que explica também que o uso do termo caboclo ou caboco “[...] fazia parte dos amplamente difundidos esforços [...]” de legitimar as “[...] nações recém-independentes com um passado indígena completamente idealizado”.
Baseado em informações do Museu Afro Brasileiro (2004, p. 29), o índio era visto como o “autêntico” brasileiro frente à colonização portuguesa. Tido como o “dono da terra”, devido a habitar aqui, antes mesmo da chegada dos portugueses e dos africanos trazidos. O índio ou cabloco, símbolo nacional, tem em suas vestes as cores, verde e amarelo da bandeira do Brasil, que acarretam ainda mais na sua representatividade, o civismo da luta do povo brasileiro pela independência.
Segundo Castro (2009, p. 2) a escultura do caboclo, alegoria da Independência da Bahia, como vista hoje, no cortejo ao Dois de Julho, apareceu pela primeira vez “[...] no desfile de 1826, destacada em carro alegórico, vestida de penas e portando arco e flecha, pisando a tirania reproduzida na imagem de uma serpente”.
Sobre a data de criação da escultura, a aparição, bem como sua autoria, Martinez (2000, p. 70 e 71) traz duas hipóteses. A primeira é defendida pelo memorialista e poeta José Álvares do Amaral, em Resumo Chronologico e Noticioso da Província da Bahia, desde o seu descobrimento em 1500, no qual atribui à data de criação do carro alegórico a 1828 e a autoria da escultura ao habilidoso escultor Bento Sabino, que por ser “[...] conhecido pela sua pericia e patriotismo encarregou-se da obra da bella Estatua que representa o Genio do Brazil, Emblema da nossa Independencia”. A segunda possibilidade é defendida por Manoel Querino, em “A Noite 1a”, artigo de 1916, na qual a atribuição da escultura é dada a Manoel Inácio e data de 1826 sua criação.
Em relação à Cabocla, conforme informações de Castro (2009, p. 2) e Kraay (2000, p.60) foi a partir do ano de 1846 que a escultura passou a desfilar junto ao caboclo no cortejo do Dois de Julho. O cortejo que se inicia na Lapinha, e segue pelas ruas do Centro Antigo de Salvador até a Praça do Campo Grande, teve a inserção da cabocla a pedido do então Presidente de Província, Francisco José de Souza Soares de Andrea, português naturalizado brasileiro.
Para Soares de Andrea, a figura do caboclo era uma ofensa aos portugueses e, por isso, defendia incisivamente que os patriotas adotassem a figura de Catarina Álvares Paraguaçu. Para ele, ao substituir o caboclo ofensivo na figura da índia que ajudou os primeiros portugueses na Bahia, transformaria o símbolo em menos agressivo e neutro. Contrariados e irritados, os patriotas e cidadãos imbuídos do civismo se recusaram a substituir o símbolo escolhido. Embora, devido à insistência de Andrea, acabaram por aceitar que a cabocla desfilasse junto ao caboclo no desfile do Dois de Julho.
E por fim, em Martinez (2000, p. 70 e 71), são citadas duas hipóteses para tal acontecimento. A primeira por Amaral, em Resumo Chronologico, onde atribui a autoria da alegoria ao mesmo autor da escultura do caboclo, Bento Sabino, e data a criação de “[...] outro carro de gosto moderno, que conduz o Emblema da Liberdade, representado por uma gentil Cabocla [...]” no ano de 1840. Já a segunda hipótese é defendida por Manoel Querino, que relata o desentendimento entre o Presidente de Província, Soares de Andrea e a “Sociedade Patriótica” e atribui a inserção da alegoria à iniciativa de Soares de Andrea e ao autor Domingos Costa Baião em 1846.
SUGESTÕES DE LEITURA PARA MAIORES APROFUNDAMENTOS
CASCUDO, Luis Camara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2000.
CASTRO, Guilherme. O caboclo. In: DIMUS – Museu Udo Knof. CD – Pesquisas Guilherme Castro. Pasta Guilherme Castro (Tam. 68 MG). Arte popular. DocWord. - Caboclo 3 Texto Expo (Tam.42,0KB). Ultima Modificação: 5/12/2009, 15h39min.
KRAAY, Hendrick. Entre o Brasil e a Bahia: as comemorações do Dois de Julho em Salvador, Século XIX. Afro-Ásia. N. 23, 2000, p. 47 – 85.
MAFRO – MUSEU AFRO BRASILEIRO. Centro de Estudos Afro – Orientais/ Universidade Federal da Bahia. Setor Religiosidade Afro-Brasileira. Projeto de Atuação Pedagógica e Capacitação de Jovens Monitores. Material do Professor. 2004.
MARTINEZ, Targino Socorro. 2 de Julho a Festa é história. Salvador: Selo Editorial da Fundação Gregório de Matos. 2000.
SÍTIOS DE INTERNET:
BAHIA. Governo do Estado, Secretária de Cultura, Secretária de Planejamento e Casa Civil. De perto – Caboclo. Revista Bahia de Todos os Cantos. Nº 02, Ano 1 , Outubro, 2009.Bahia:Empresa Gráfica da Bahia.
Disponível em: <http://www.bahiadetodososcantos.com.br/>. Acessado em: 11/04/2011.
Gostaria de parabenizar o Jornal o Guarani por ter recebido um texto dessa envergadura intelectual. Professor André Pedreira/UNEB.
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