A filha do ex-senador cassado Delcídio do Amaral,
Maria Eduarda Amaral, publicou uma carta aberta relatando o que sofreu e
revelando os momentos que passou após saber, pela televisão, que o seu pai
havia sido preso. A jovem ainda relata que após a prisão do ex-parlamentar,
recebeu diversos convites de homens que a convidavam para ir à restaurantes e
depois para acompanhá-los a hotéis. Além disso, diversas mensagens chegaram ao
seu celular, de pessoas xingando e a chamado até de prostituta.
Segundo Maria Eduarda, após a prisão do pai, a família
teria tomado conhecimento que estavam com dívidas e que as fazendas deixadas
pelo pai do ex-senador ajudaram a manter a família. Relata que viu o pai
emagrecer e perder o brilho durante o período e manifestou que o pai sempre
quis ser governador de Mato Grosso do Sul. "Sempre soube
o quanto meu pai queria desenvolver aquele Estado e o carinho que ele tinha
pelas pessoas que lá moravam".
Por fim, a estudante de jornalismo relata que chegou
até se interessar pela política, mas que depois da experiência traumática,
deixou de lado o fato de querer se envolver com o meio.
Veja na íntegra a carta aberta:
Ontem à
noite, depois de 13 anos prestando serviços ao Senado Federal, meu pai teve seu
mandato cassado. Após 13 anos representando o Partido dos Trabalhadores.
Partido pelo qual eu sempre tive algum tipo de simpatia.
As políticas
sociais desta sigla de certo modo me interessavam. Hoje, por vários motivos,
não me interessam mais.
Ontem, ele
se tornou o terceiro senador a ser cassado na história do Senado. Sim, ele teve
o maior placar contrário a ele, o que já era bastante previsível, visto que nos
últimos tempos a opinião pública vem pesando demasiadamente também.
Desde 2014,
eu, ele, minha mãe e minha irmã vimos sofrendo com alguns obstáculos e
dificuldades. O sonho do meu pai sempre foi ser governador pelo Estado de Mato
Grosso do Sul. Ele tinha o sonho de governar o Estado em que nasceu. Sonhava
com isso noite e dia e, por mais que ele não falasse, eu sentia.
Em 2014 ele
perdeu uma eleição caótica na disputa pelo governo do Estado. Dizem que ele só
perdeu por conta do partido que representava. Foi uma eleição suja, repleta de
má-fé, calúnias e ataques agressivos a nossa família. Mas, mesmo assim, a gente
vestia a camisa com a estrela e o número 13 e ia às ruas tentar reverter o
quadro.
No dia da
derrota foi difícil conter as lágrimas. Sempre soube o quanto meu pai queria
desenvolver aquele Estado e o carinho que ele tinha pelas pessoas que lá
moravam.
A política
pulsava nas veias dele. Ele falava e contava as coisas pra gente com brilho no
olhar. Ele conseguia ver bondade e esperança até nos adversários. Ele tinha uma
ingenuidade de menino que, de fato, não condizia com tudo o que ele viveu. E eu
achava aquilo bonito. Até porque sou tão ingênua quanto ele e acredito muito
que herdei dele essa mania de acreditar e me entregar às pessoas de primeira.
Conclusão? A gente sempre sai machucado, somos enganados… Mas costumamos ir às
últimas consequências por uma segunda pessoa, mesmo assim.
Quando a
gente sentava pra conversar o assunto, inevitavelmente, era política. E eu
gostava. Ele me dava aulas sobre isso. Não vou negar que, em certo momento da
minha vida, até tive vontade de me envolver com política. Mas, depois de
atestar uma eleição tão suja, voltei atrás. Por fim, presenciei mais um sonho
dele escorrer pelas mãos.
A rotina
dele era agitada. Eu costumava não vê-lo muito e, desde pequena, fui
‘acostumada’ com a ausência do meu pai. Quem assumiu o papel paternal acabou
sendo a minha mãe. E ela fez isso com maestria.
Meu pai
costumava chegar em casa apenas no sábado. E ainda, quando chegava, já logo
viajava para o interior do Estado para cumprir as agendas. Às vezes, aos
domingos, ele tinha tempo pra saber da minha vida. E olhe lá.
Afinal, ele
acabou assumindo a liderança do governo no Senado Federal, posição que lhe
cobrava tempo e energia, visto que o governo atual vai de mal a pior. Mas,
mesmo assim, ele tentava até as últimas consequências defender o governo Dilma.
Ele fazia o trabalho dele e cumpria o que havia prometido.
Brasília
acabou virando de fato a casa dele. Ele ficava lá mais do que ficava comigo, na
minha casa. Em julho do ano passado resolvemos fazer uma viagem, afinal
queríamos ter um momento com a família unida e com meu pai podendo descansar
alguns dias, até pra sair um pouco do caos em que a política se encontrava.
Política essa que ele tinha o papel de defender.
No meio da
viagem ele recebe um telefonema da então presidente pedindo para que ele
voltasse urgentemente. Ela precisava dele. E, assim, lá ia ele… Deixou de novo
a família, os amigos, deixou uma viagem que já havia sido paga e foi vestir a
camisa… Foi exercer o que fazia o coração dele pulsar.
Nessa
viagem, ocorreram alguns episódios que acabaram com o clima harmônico. Uma
turma de brasileiros praticamente invadiu nossa privacidade e nosso momento em
família, tirou fotos (e divulgou). Xingaram-nos e agrediram-nos, porque,
segundo eles, estávamos utilizando dinheiro público para bancar o passeio. Mero
engano.
Brasileiro
tem essa mania de achar que só porque alguém se encontra em posição pública
sobrevive só de dinheiro vindo de política. E esse não era o nosso caso. Só que
nós, brasileiros, em grande parte, somos um povo ignorante, que acredita na
primeira coisa que lê e que sabe só o superficial porque a preguiça e o
comodismo sempre falam mais alto.
Por fim,
esse episódio nos gerou problemas imensos. A viagem foi pelo ralo com isso… Meu
pai ficou extremamente desconfortável com a situação e não escondia isso. Mas,
ok, passou.
Eu comecei a
sentir que a partir dali as coisas iam ficar difíceis para a nossa família. Até
entendo o descontentamento que nós, brasileiros, vimos sentindo pela atual conjuntura
política do País. Mas nada justifica agredir dessa forma uma família e seus
amigos.
Infelizmente,
ultimamente, as pessoas andam rudes e agressivas. A gente acaba se
‘acostumando’ a essa realidade, mesmo não devendo.
Após tamanho
desconforto, em novembro do ano passado, repentinamente recebi a notícia, às
sete horas da manhã, que meu pai havia sido preso. Eu estava dormindo quando
isso aconteceu, mas, como tenho sono leve, percebi uma movimentação na minha
casa. Ligo a TV e vejo, por imagens transmitidas pelo helicóptero da Globo, uma
cabecinha branca dando entrada na Polícia Federal em Brasília. A ficha de fato
caiu. Era meu pai.
Perdi toda a
minha base e estrutura naquele momento. Tremia e fiquei prostrada, afinal não
sabia o que fazer ou como agir. Era muita informação pra alguém que sempre teve
o costume de ser frágil perante a tudo. É só tentar imaginar um familiar pelo
qual você tem muita admiração e amor sendo preso, sendo tirado de um dia pro
outro da sua rotina.
Presenciei
minha mãe (uma mulher que sempre foi muito forte) desabar de se jogar o chão.
Vi minha irmã ter uma crise bem na minha frente. Não desejo uma coisa dessas a
ninguém. Das três, eu ainda fui a que mais consegui manter a calma e os pés no
chão. Vi minha mãe assumir as contas e todas as outras pendências da família de
um dia pro outro.
E foi nesse
momento que vi que não tinha nada de dinheiro público envolvido, porque nós
estávamos atolados em contas para pagar e com problemas financeiros (problemas
que meu pai acabava escondendo da gente, afinal ele sempre se desdobrava pra
oferecer uma vida legal pra nossa família).
Nesse
momento, foram as nossas fazendas que nos ampararam. Patrimônio que minha avó e
meu pai cuidam com carinho há anos. Do dia pra noite, minha vida e minha base
ficavam em Brasília. Foi frustrante pra mim ver um homem de bem, intelectual,
humilde, educado e carismático, preso. Era meu pai. Eu nunca vi ele chorar como
chorou nesses meses preso.
Vi ele
emagrecer a ponto de quase ficar sem musculatura. De ser só pele e osso. De
ficar pequeno e frágil em roupas tão grandes. Vi ele envelhecer e perder o
brilho, perder os sorrisos, perder o senso de humor fantástico que só ele tem.
Um homem que tinha um ritmo agitado, de repente, é trancado em uma sala em meio
a livros, num lugar frio e que tira a sanidade mental de qualquer pessoa que
não tenha controle emocional.
Na semana em
que ele foi preso, meu celular se tornou um inferno. Recebia mensagens de
homens que eu nunca vi na vida. As mensagens eram as piores possíveis. Fui
chamada de puta, de safada, de cachorra, de patricinha, de filha da puta e fui
até convidada a dormir em motel (por vários homens). Tinha homem dizendo que eu
merecia tomar uma surra no meio da rua. Sim, um HOMEM desejando a agressão
física de uma MULHER.
Recebi
convites para almoçar em restaurantes e depois pra ir dormir em hotel, como se
eu fosse prostituta, disponível pra fazer programa. Quando eu apagava uma
mensagem, surgia outra. Tive que trocar o número de celular. Aquilo me chocou
de tal forma que eu não consigo explicar.
Fiquei
traumatizada, principalmente com homens, de certa forma. Nesse turbilhão de
acontecimentos, pessoas que eu amava me deixaram, me deixaram sem perguntar
como eu me sentia, se eu ainda precisava de alguma ajuda. Me deixaram como se o
problema não fosse delas. Como se eu não estivesse precisando de carinho, de
atenção. E isso não partiu apenas de amigos e, sim, de pessoas que conviviam
comigo no dia a dia, com quem os laços eram bem mais estreitos.
* Maria
Eduarda Amaral, estudante de Jornalismo, 21, é filha de Delcídio Amaral
* Texto
postado na quarta-feira, 11.
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