segunda-feira, 16 de maio de 2016

Filha de Delcídio desabafa sobre angústia com a prisão do pai e alívio da cassação

A filha do ex-senador cassado Delcídio do Amaral, Maria Eduarda Amaral, publicou uma carta aberta relatando o que sofreu e revelando os momentos que passou após saber, pela televisão, que o seu pai havia sido preso. A jovem ainda relata que após a prisão do ex-parlamentar, recebeu diversos convites de homens que a convidavam para ir à restaurantes e depois para acompanhá-los a hotéis. Além disso, diversas mensagens chegaram ao seu celular, de pessoas xingando e a chamado até de prostituta.

Segundo Maria Eduarda, após a prisão do pai, a família teria tomado conhecimento que estavam com dívidas e que as fazendas deixadas pelo pai do ex-senador ajudaram a manter a família. Relata que viu o pai emagrecer e perder o brilho durante o período e manifestou que o pai sempre quis ser governador de Mato Grosso do Sul. "Sempre soube o quanto meu pai queria desenvolver aquele Estado e o carinho que ele tinha pelas pessoas que lá moravam". 
Por fim, a estudante de jornalismo relata que chegou até se interessar pela política, mas que depois da experiência traumática, deixou de lado o fato de querer se envolver com o meio.


Veja na íntegra a carta aberta:
   
Ontem à noite, depois de 13 anos prestando serviços ao Senado Federal, meu pai teve seu mandato cassado. Após 13 anos representando o Partido dos Trabalhadores. Partido pelo qual eu sempre tive algum tipo de simpatia.

As políticas sociais desta sigla de certo modo me interessavam. Hoje, por vários motivos, não me interessam mais.

Ontem, ele se tornou o terceiro senador a ser cassado na história do Senado. Sim, ele teve o maior placar contrário a ele, o que já era bastante previsível, visto que nos últimos tempos a opinião pública vem pesando demasiadamente também.

Desde 2014, eu, ele, minha mãe e minha irmã vimos sofrendo com alguns obstáculos e dificuldades. O sonho do meu pai sempre foi ser governador pelo Estado de Mato Grosso do Sul. Ele tinha o sonho de governar o Estado em que nasceu. Sonhava com isso noite e dia e, por mais que ele não falasse, eu sentia.

Em 2014 ele perdeu uma eleição caótica na disputa pelo governo do Estado. Dizem que ele só perdeu por conta do partido que representava. Foi uma eleição suja, repleta de má-fé, calúnias e ataques agressivos a nossa família. Mas, mesmo assim, a gente vestia a camisa com a estrela e o número 13 e ia às ruas tentar reverter o quadro.

No dia da derrota foi difícil conter as lágrimas. Sempre soube o quanto meu pai queria desenvolver aquele Estado e o carinho que ele tinha pelas pessoas que lá moravam.

A política pulsava nas veias dele. Ele falava e contava as coisas pra gente com brilho no olhar. Ele conseguia ver bondade e esperança até nos adversários. Ele tinha uma ingenuidade de menino que, de fato, não condizia com tudo o que ele viveu. E eu achava aquilo bonito. Até porque sou tão ingênua quanto ele e acredito muito que herdei dele essa mania de acreditar e me entregar às pessoas de primeira. Conclusão? A gente sempre sai machucado, somos enganados… Mas costumamos ir às últimas consequências por uma segunda pessoa, mesmo assim.

Quando a gente sentava pra conversar o assunto, inevitavelmente, era política. E eu gostava. Ele me dava aulas sobre isso. Não vou negar que, em certo momento da minha vida, até tive vontade de me envolver com política. Mas, depois de atestar uma eleição tão suja, voltei atrás. Por fim, presenciei mais um sonho dele escorrer pelas mãos.

A rotina dele era agitada. Eu costumava não vê-lo muito e, desde pequena, fui ‘acostumada’ com a ausência do meu pai. Quem assumiu o papel paternal acabou sendo a minha mãe. E ela fez isso com maestria.

Meu pai costumava chegar em casa apenas no sábado. E ainda, quando chegava, já logo viajava para o interior do Estado para cumprir as agendas. Às vezes, aos domingos, ele tinha tempo pra saber da minha vida. E olhe lá.

Afinal, ele acabou assumindo a liderança do governo no Senado Federal, posição que lhe cobrava tempo e energia, visto que o governo atual vai de mal a pior. Mas, mesmo assim, ele tentava até as últimas consequências defender o governo Dilma. Ele fazia o trabalho dele e cumpria o que havia prometido.

Brasília acabou virando de fato a casa dele. Ele ficava lá mais do que ficava comigo, na minha casa. Em julho do ano passado resolvemos fazer uma viagem, afinal queríamos ter um momento com a família unida e com meu pai podendo descansar alguns dias, até pra sair um pouco do caos em que a política se encontrava. Política essa que ele tinha o papel de defender.

No meio da viagem ele recebe um telefonema da então presidente pedindo para que ele voltasse urgentemente. Ela precisava dele. E, assim, lá ia ele… Deixou de novo a família, os amigos, deixou uma viagem que já havia sido paga e foi vestir a camisa… Foi exercer o que fazia o coração dele pulsar.

Nessa viagem, ocorreram alguns episódios que acabaram com o clima harmônico. Uma turma de brasileiros praticamente invadiu nossa privacidade e nosso momento em família, tirou fotos (e divulgou). Xingaram-nos e agrediram-nos, porque, segundo eles, estávamos utilizando dinheiro público para bancar o passeio. Mero engano.

Brasileiro tem essa mania de achar que só porque alguém se encontra em posição pública sobrevive só de dinheiro vindo de política. E esse não era o nosso caso. Só que nós, brasileiros, em grande parte, somos um povo ignorante, que acredita na primeira coisa que lê e que sabe só o superficial porque a preguiça e o comodismo sempre falam mais alto.

Por fim, esse episódio nos gerou problemas imensos. A viagem foi pelo ralo com isso… Meu pai ficou extremamente desconfortável com a situação e não escondia isso. Mas, ok, passou.

Eu comecei a sentir que a partir dali as coisas iam ficar difíceis para a nossa família. Até entendo o descontentamento que nós, brasileiros, vimos sentindo pela atual conjuntura política do País. Mas nada justifica agredir dessa forma uma família e seus amigos.

Infelizmente, ultimamente, as pessoas andam rudes e agressivas. A gente acaba se ‘acostumando’ a essa realidade, mesmo não devendo.

Após tamanho desconforto, em novembro do ano passado, repentinamente recebi a notícia, às sete horas da manhã, que meu pai havia sido preso. Eu estava dormindo quando isso aconteceu, mas, como tenho sono leve, percebi uma movimentação na minha casa. Ligo a TV e vejo, por imagens transmitidas pelo helicóptero da Globo, uma cabecinha branca dando entrada na Polícia Federal em Brasília. A ficha de fato caiu. Era meu pai.

Perdi toda a minha base e estrutura naquele momento. Tremia e fiquei prostrada, afinal não sabia o que fazer ou como agir. Era muita informação pra alguém que sempre teve o costume de ser frágil perante a tudo. É só tentar imaginar um familiar pelo qual você tem muita admiração e amor sendo preso, sendo tirado de um dia pro outro da sua rotina.

Presenciei minha mãe (uma mulher que sempre foi muito forte) desabar de se jogar o chão. Vi minha irmã ter uma crise bem na minha frente. Não desejo uma coisa dessas a ninguém. Das três, eu ainda fui a que mais consegui manter a calma e os pés no chão. Vi minha mãe assumir as contas e todas as outras pendências da família de um dia pro outro.

E foi nesse momento que vi que não tinha nada de dinheiro público envolvido, porque nós estávamos atolados em contas para pagar e com problemas financeiros (problemas que meu pai acabava escondendo da gente, afinal ele sempre se desdobrava pra oferecer uma vida legal pra nossa família).

Nesse momento, foram as nossas fazendas que nos ampararam. Patrimônio que minha avó e meu pai cuidam com carinho há anos. Do dia pra noite, minha vida e minha base ficavam em Brasília. Foi frustrante pra mim ver um homem de bem, intelectual, humilde, educado e carismático, preso. Era meu pai. Eu nunca vi ele chorar como chorou nesses meses preso.

Vi ele emagrecer a ponto de quase ficar sem musculatura. De ser só pele e osso. De ficar pequeno e frágil em roupas tão grandes. Vi ele envelhecer e perder o brilho, perder os sorrisos, perder o senso de humor fantástico que só ele tem. Um homem que tinha um ritmo agitado, de repente, é trancado em uma sala em meio a livros, num lugar frio e que tira a sanidade mental de qualquer pessoa que não tenha controle emocional.

Na semana em que ele foi preso, meu celular se tornou um inferno. Recebia mensagens de homens que eu nunca vi na vida. As mensagens eram as piores possíveis. Fui chamada de puta, de safada, de cachorra, de patricinha, de filha da puta e fui até convidada a dormir em motel (por vários homens). Tinha homem dizendo que eu merecia tomar uma surra no meio da rua. Sim, um HOMEM desejando a agressão física de uma MULHER.

Recebi convites para almoçar em restaurantes e depois pra ir dormir em hotel, como se eu fosse prostituta, disponível pra fazer programa. Quando eu apagava uma mensagem, surgia outra. Tive que trocar o número de celular. Aquilo me chocou de tal forma que eu não consigo explicar.

Fiquei traumatizada, principalmente com homens, de certa forma. Nesse turbilhão de acontecimentos, pessoas que eu amava me deixaram, me deixaram sem perguntar como eu me sentia, se eu ainda precisava de alguma ajuda. Me deixaram como se o problema não fosse delas. Como se eu não estivesse precisando de carinho, de atenção. E isso não partiu apenas de amigos e, sim, de pessoas que conviviam comigo no dia a dia, com quem os laços eram bem mais estreitos.

* Maria Eduarda Amaral, estudante de Jornalismo, 21, é filha de Delcídio Amaral
* Texto postado na quarta-feira, 11.

 

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