quarta-feira, 27 de abril de 2016

ARTIGO DE OPINIÃO


A universidade contemporânea e o desenvolvimento 
da práxis interdisciplinar como possibilidade de 
formar cidadãos cosmopolitas

Flavius Almeida dos Anjos
Professor de língua inglesa da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

O ano de 2006 representou marco para a educação superior. É quando ocorre o processo de expansão das universidades públicas e, assim, o acesso ao ensino superior é aquecido com a oferta de cursos diversos em diferentes regiões brasileiras. Como consolidação dessa política de expansão das IF, a Universidade Federal da Bahia, na cidade de Cruz das Almas, com o curso de agronomia, cuja origem histórica data de 1943, passa a ser sede da reitoria da Universidade Federal do Recôncavo Baiano. A isso, antecederam encontros, discussões, grupos de trabalhos e solicitações a políticos e ministros, para então, a 3 de julho de 2006,  a UFRB ter como seu primeiro Reitor o prof. Paulo Gabriel  Soledade Nacif.  Surge, então, uma universidade nova, mas com experiência advinda de algumas décadas.Tal política possibilitou o desmembramento da universidade em centros nas diversas regiões do recôncavo baiano, como o CCAA e o CETEC, em Cruz das Almas, o CAHL, em Cachoeira, o CCS em Santo Antônio de Jesus, o CFP em Amargosa, o CETENS, em Feira de Santana e mais recentemente o CECULT, em Santo Amaro.

Nesse cenário, o número de pessoas que ingressou nas universidades públicas aumentou significativamente, possibilitado justamente por políticas de expansão das instituições federais, sobretudo, pessoas das classes minoritárias, as marginalizadas, muitas advindas das escolas públicas.

Como parte desse projeto de desenvolvimento da educação superior, na região do recôncavo baiano, destacam-se os cursos de bacharelado interdisciplinar, os BI´s. Apesar de resistências, por parte de setores da própria universidade, para o desenvolvimento de cursos de graduação numa perspectiva interdisciplinar e a consequente criação de núcleos para consolidar essa modalidade de curso, tem sido cada vez mais comum a elaboração de planos de cursos que contemplem a formação de indivíduos para lidar com a dinâmica contemporânea, a qual delineia-se embricadamente em vieses múltiplos. Daí a necessidade de fortalecer cursos interdisciplinares em consonância com as diversas áreas do conhecimento, visando à inserção de indivíduos que possam atuar na sociedade com conhecimentos que os empoderem para que, desse modo, possam engajar-se em buscas coletivas para o desenvolvimento social.

A respeito disso, os Bacharelados Interdisciplinares têm ganhado fôlego nas universidades, justamente por trazerem em seu bojo componentes curriculares capazes que promover um percurso formativo que possibilite uma formação humanista. Nesse sentido é que com base nos itinerários formativos dos Bacharelados Interdisciplinares poderemos esperar bacharéis, médicos, enfermeiros, artistas, tecnólogos, dentre outros profissionais, bem preparados para atuar em cenários contemporâneos que cada vez mais exigem atuação humanista. O projeto dos Bacharelados ancora-se nas ideias de Anísio Teixeira, quando na década de 1960 apresenta proposta para cursos da Universidade de Brasília. Alinhados com o pensamento de Anísio Teixeira, os Bacharelados Interdisciplinares trazem consigo a proposta de um espaço para formação universitária centrada no desenvolvimento de atitudes, habilidades e competências transversais às competências técnicas. Além disso, propõem, assentados em fortes bases teóricas, uma formação de cunho geral, com vistas a possibilitar o enfrentamento de desafios, as demandas contemporâneas e os interesses da civilização global.

Destaca-se nesse plano, na região do recôncavo baiano, o Centro de Cultura Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT), da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), com sede em Santo Amaro, quando há pouco mais de dois anos ergue-se com o propósito de, também, promover a formação de cidadãos críticos, reflexivos, capazes de valorizar a vida, a inclusão, as diversidades, de maneira solidária, participativa, tudo possibilitado a partir de interfaces entre disciplinas, com o seu curso de Bacharelado Interdisciplinar em Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas, no primeiro clico e, buscando formação específica, oferta terminalidades em Tecnologias do Espetáculo, Música Popular Brasileira, Produção Musical, Design Digital, Política e Gestão Cultural, em seu segundo ciclo. No bojo desse projeto emerge o Núcleo de Estudos Interdisciplinares e Formação Geral-NUVEM-, oficialmente instituído em 2014, que atua junto aos centros, com professores das mais diferentes áreas, cuja proposta busca o diálogo entre saberes, visando uma formação múltipla, para um novo indivíduo que atuará orientado por saberes que atravessam as disciplinas. O surgimento do NUVEM representa um divisor de águas para a educação superior no recôncavo, já que emerge como alternativa para formação sólida, visando assegurar uma pluralidade de tendências teóricas, que transpõem as barreiras entre conhecimentos, nos bacharelados ofertados nos diferentes centros da UFRB.

O surgimento do NUVEM representa um divisor de águas para a educação superior no recôncavo, já que emerge como alternativa para formação sólida, visando assegurar uma pluralidade de tendências teóricas, que transpõem as barreiras entre conhecimentos, nos bacharelados ofertados nos diferentes centros da UFRB.

Logo, o NUVEM é condição sine qua non para que os Bacharelados Interdisciplinares possam consolidar-se, sobretudo, como cursos respaldados pela sua proposta de formação humanista, muito requisitada na contemporaneidade. Tal fato coincide com o processo de reestruturação da educação superior, numa era notadamente marcada por demandas capitalistas, que exigem uma mudança de rumo, a formação de novos indivíduos, aptos para atuar numa perspectiva humanista, diversa, capaz de reconhecer e respeitar as diversidades culturais, as formas de ser, agir e pensar. O que realmente só pode ser alcançado a partir de itinerários formativos ancorados em propostas em que as disciplinas possam dialogar, em que os discentes possam ter acesso a conhecimentos diversos, básico, geral e específicos.

Isso fez-me lembrar que o educador francês, Edgar Morin, em entrevista concedida no Brasil, há algum tempo, alertava acerca da necessidade de repensar a educação nacional, a começar pela reformação do professor, chamando a atenção para o fato de que os professores precisam ultrapassar os limites de suas disciplinas e trafegar por outras áreas do conhecimento, o que, segundo ele, ainda não aconteceu no Brasil. Morin defende o rompimento das barreiras disciplinares, alegando que embora aparentemente o conhecimento organizado em disciplinas dê a (falsa) sensação de arrumação, tal rompimento é o que pode possibilitar o estabelecimento de correlação entre os saberes. Quando questionado sobre a possibilidade de o professor trabalhar numa perspectiva interdisciplinar, Morin sinalizou a necessidade de o professor perceber a sua disciplina com a iluminação de outros olhares, sugerindo um educador com uma cultura menos especializada, centrada em uma única área, e, assim, buscando desconstruir o abismo entre as humanidades e as ciências, esse educador defendeu a possibilidade de o professor de Literatura precisar conhecer um pouco de história e de psicologia, bem como o de Matemática e o de Física de necessitarem de uma formação literária. Só assim Morin disse ser possível o nascimento de uma nova cultura.

Inegavelmente, uma nova cultura tem se estabelecido com a instalação dos centros nas cidades da região do recôncavo baiano, com estudantes e professores vindos das mais diferentes regiões. Apesar de críticas que apontam para aumento do consumo de drogas, violência etc, a universidade deve seguir orientada pelo cumprimento da sua missão. Por que assim, produzirá impacto, a médio e longo prazo, de ordem política, econômica e cultural, sobretudo, quando propõe a disseminação do conhecimento através de diálogos interdisciplinares.

O passo está dado para que o recôncavo sobressaía-se enquanto região responsável pela formação de indivíduos humanisticamente preparados para atuar de maneira crítica, solidária, justa e interdisciplinar, sobretudo, em tempos de globalização e reconhecimento das diversidades, do melting pot. Cenário notadamente delineado por crises econômicas, políticas, morais e estreitamento de barreiras. Um momento de descontrole, em que a monetarização sobrepõe valores humanistas. Consequentemente, espera-se êxito frente aos desafios da realidade global emergente, já que essa mesma realidade tem mudado o cenário mundial, a vida das pessoas, seus trabalhos, rendas, saúde, o mercado, as tecnologias, bem como tem afetado as fronteiras, rompendo-as, acelerando o ritmo com que as informações, ideias, normas e valores circulam e a comunicação entre povos. Por isso, a universidade contemporânea deve primar por práticas interdisciplinares, as quais possibilitem a formação de indivíduos que possam atuar em cenários diversos, cosmopolita, como verdadeiros cidadãos do mundo.

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