

CENÁRIO DE IMPEACHMENT
O ‘climão’ e o cenário do
impeachment
As revelações da Lava Jato e
o parecer do jurista Ives Gandra — que afirma haver a possibilidade de
impeachment por improbidade administrativa, senão decorrente de dolo, por culpa
derivada de omissão, imperícia, negligência e imprudência — têm alimentado a
discussão sobre este verdadeiro ‘cisne negro’ que ameaça o Governo Dilma II.
A questão é se o assunto vai
ganhar as ruas, fermentado pelo azedume da economia.
Nem mesmo quando Fernando
Collor de Mello viu sua presidência ruir — numa novela que, como a atual, tinha
um capítulo cabeludo envolvendo um tesoureiro e a Petrobras — o País esteve num
‘climão’ político e econômico tão pesado quanto o de hoje. E olha que Collor
perpetrara uma violência econômico-institucional sem precedentes (o
congelamento das contas bancárias).
O climão de hoje está nas
empresas, onde os donos do capital, depois de passarem 2014 imobilizados pela
incerteza eleitoral, agora se confrontam com a herança maldita da
recessão, cujo custo para o País talvez não caiba nem nas planilhas dos mais
pessimistas.
O climão está na classe
política, que ainda não sabe quem, entre os seus pares sem mandato, receberá a
PF na porta de casa, às 6 da manhã.
O climão está até na
esquerda — já que o pragmatismo-sem-limite petista detonou a convicção de
muitos que acreditavam ‘na causa’.
E no movimento que deve se
mostrar decisivo, este sim, para o futuro da Presidente, o climão pode acabar
se instalando no setor mais importante da sociedade: aquela metade do
eleitorado que deu o segundo mandato a Dilma Rousseff (e o quarto consecutivo
ao PT), acreditando na versão de João Santana de que a economia vai bem, e que
os tucanos é que são uns chatos.
As demissões já começaram, o
comércio se arrasta no interior e nas capitais, e a inflação respira quente no
cangote da classe C, cuja emergência ao mercado de consumo, apesar de um claro
avanço de cidadania, foi feita em bases que agora se provam insustentáveis.
Nos próximos meses, o PIB em
baixa e o dólar em alta farão o País empobrecer, e os mais pobres sofrerão
mais.
A despeito de não haver
ainda uma ‘smoking gun’ (uma prova direta contra a Presidente), o desenrolar da
Lava Jato e o desemprego já encomendado — num cenário talvez agravado pela
escassez de energia e água — podem criar o caldo de cultura propício para que,
cada vez mais, se discuta a possibilidade de impeachment.
Ricardo Kotscho, um
jornalista e homem de bem cuja biografia se confunde com a do PT, desabafou em
seu blog ontem que, pelo andar da carruagem, a oposição nem precisa trabalhar
pelo impeachment, porque o Governo se autodestruirá.
“Isolada, atônita, encurralada,
sem rumo e sem base parlamentar sólida nem apoio social, contestada até dentro
do seu próprio partido, como estará se sentindo neste momento a cidadã Dilma
Rousseff, que faz apenas três meses foi reeleita presidente por mais quatro
anos?” escreveu Kotscho, num artigo que começa dizendo: “o que já está ruim
sempre pode piorar.”
Pode mesmo. O ‘climão’ é a
tempestade perfeita.
Do lado fiscal, a cada dia
aflora um novo esqueleto deixado no armário pelo voluntarismo inconsequente da
equipe anterior. Mais impostos azedarão ainda mais o clima, ao mesmo tempo que
evitá-los aumentará os custos da dívida.
Já a narrativa da Petrobras
simplesmente não para em pé (nem seu balanço) e, apesar da mudança de gestão
ora em curso, a empresa ainda corre o risco de ser declarada inadimplente, um
vexame das proporções do pré-sal.
Além disso, as contínuas
revelações da Lava Jato ainda podem parir o imponderável. Neste capítulo,
a estimativa do ex-gerente da Petrobras de que o PT tenha recebido até US$ 200
milhões de propina ao longo de dez anos sobre os maiores contratos da Petrobras
pode até gerar questionamentos sobre a validade da última eleição.
Por fim, a eleição de Frank
Under.., perdão, Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, tornando-o o
terceiro na linha de sucessão, é o componente que promete transformar os
próximos meses no maior Game of Thrones da história recente. (Sim, é preciso
citar duas séries dramáticas para descrever o caráter épico da
lambança.)
O ar está irrespirável e as
paixões, à flor da pele, mas o impeachment é uma construção política delicada,
um origami da História, que só se viabiliza quando a instatisfação do andar de
cima entra em sintonia com a frustração ou a revolta das ruas, de onde vem a
legitimidade necessária para o processo. Não se faz um impeachment como se
troca de camisa, assim como ‘não gostar’ de um governante está longe de ser
motivo honesto ou legítimo.
Por outro lado, nas
conversas sobre a possibilidade de impeachment, algumas pessoas argumentam que
a legitimidade da Presidente, recém reeleita, pode ser um obstáculo. À luz da
história recente, este parece um temor infundado. A eleição de Collor, o
primeiro presidente civil depois de 20 anos de ditadura, foi no mínimo tão
carregada de simbolismo quanto a eleição de Lula, e deu no que deu.
A outra questão é o temor de
que o PT tache um pedido de impeachment de ‘golpe da oposição’. Qual a novidade
nessa retórica? Há doze anos, o PT responde aos flagrantes (tanto os criminais
quanto os de incompetência) com a mesma desculpa: “não fui eu, você é que está
de má vontade.”
Ao eleger o PT — uma, duas,
quatro vezes — o brasileiro quebrou tabus e votou, em grande parte, com o
bolso. Na primeira vez, quis experimentar um ‘trabalhador’ no Poder. Na
segunda, recompensou-o por ter mantido a economia em ordem (e pela sorte de ter
sido eleito na véspera do maior boom de commodities da história). Na terceira
vez, ficou com medo de mexer num time que parecia estar ganhando, e votou em
Dilma. Na quarta, um grupo de estelionatários bateu-lhe a carteira e a
esperança.
Ricardo Kotscho tem razão.
Esse governo provavelmente vai morrer de morte morrida e não de morte matada,
como se diz em Minas.
Por Geraldo Samor
Colunista da revista Veja,
no Rio de Janeiro, foi editor para a América Latina, correspondente no Brasil
do Wall Street Journal, da International Financing Review (IFR) e repórter de
Dow Jones Newswires.

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