sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

EM CACHOEIRA/BAHIA



ENTREVISTA CONCEDIDA POR CACAI LOBO AO PRIMOGÊNIO NOTÍCIAS, REPUBLICADA  NO JORNAL O GUARANY, A PEDIDO

“O que vale é o que eu sou”; Cacai Lobo quebra o silêncio e conta detalhes da sua prisão

Preso em dezembro em uma operação da Narcóticos, o professor e ex-vereador Cacai Lobo conta como encarou a ação da polícia e revela detalhes da sua convivência na Ladeira da Cadeia, local dominado pelo tráfico de drogas.

No último dia 16 de dezembro de 2014, o ex-vereador e atual secretário da Agricultura do município s Cachoeira, Carlos Alberto Fraga Lobo, “Cacai Lobo”, foi preso em uma ação realizada pelo Departamento de Narcóticos (Denarc). A Operação Gárgula tinha como objetivo combater o tráfico de drogas na Ladeira da Cadeia e, na casa de Cacai, foram encontradas armas e munição.

Conduzido até a delegacia, a prisão de Cacai durou menos de 24 horas, após a polícia esclarecer de que ele não tinha nenhum envolvimento. Porém, seu nome acabou vinculado ao tráfico de drogas na grande mídia do Estado. Ele, que foi vereador por oito anos, é casado atualmente com a Vereadora Maria Lucia Costa Santos, a Meire. Cacai também é professor de Karatê, leciona Biologia e Química em escolas do município, desenvolve trabalhos sociais na Ladeira da Cadeia e é pai de 04 filhos.

Em entrevista EXCLUSIVA ao Primogênio Notícias após a sua prisão, Cacai Lobo conta detalhes daquela madrugada de 16 de dezembro, fala sobre a real situação na Ladeira da Cadeia, revela os motivos que podem ter ligado o seu nome a temidos traficantes da localidade e diz que não tem mágoa pelo que aconteceu. Confira trechos da entrevista realizada no último dia 06 de janeiro:

Tensão


Foi um dia de terça-feira, quase um mês, não sei bem, porque essas coisas ruins eu procuro esquecer. Eu estou acostumado com situações difíceis. Mas, foi um momento onde foi colocada em xeque a minha capacidade de raciocinar, de me acalmar, de tolerar, de ter humildade em entender que era uma ação da polícia e que eu deveria manter a calma. A ação foi truculenta, eles [os policiais] estavam exaltados e não me deixavam falar. Eram quase 4h40 da manhã, já estava amanhecendo o dia. Foi quando eu acordei e ouvi “Polícia” e um cachorro vira lata que criamos lá em casa começou a latir. Eu imaginei, imediatamente, que seriam amigos meus policiais que estavam fazendo alguma incursão, pois várias vezes eles fizeram incursões e foram lá em casa pedi alguma orientação.

Quando eu abri a porta, vi três revolveres na minha cara. Um rapaz, até educado, que parecia fazer Karatê também, e duas mulheres, uma delas parecia ser a delegada que estava comandando a ação, onde me mostrou logo a ordem judicial autorizando a invasão da propriedade. Eu dizia “calma, pessoal” e eles gritavam “cala a boca. Onde está o pó? onde está o embrulho? Onde está a arma e a munição? A gente já sabe que você é o chefe.”, e eu tentava esclarecer que havia algum equivoco, que eu era engenheiro agrônomo, trabalhava na prefeitura e eles me mandavam calar a boca imediatamente. Aí eu olhei pra minha esposa, vi outros policiais acompanhando ela, mandando ela ficar parada com uma arma apontada e reviraram a casa toda. Enfim, foi uma ação que, se não fosse pelo equivoco, era uma ação boa da polícia. Em momento nenhum eles me xingaram com palavras de baixo calão ou me agrediram. Agora, o que eles fizeram, não sei se por conta do momento, foi apertar demais as algemas. Poderiam nem ter colocado a algema, já que eu não ofereci nenhuma resistência mas, eu entendo. É uma defesa da polícia. Então fui conduzido até a viatura. Fiquei na viatura enquanto eles revistavam a casa toda. Esbagaçaram tudo atrás de droga, de armas e  de munição. E eu avise que eles iriam encontrar armas que eram da coleção de meu pai. Dois rifles antigos, um deles nem funcionava mais, que eu guardava de lembrança, e uma espingarda de cartucho de 32, que foi um presente de um primo e eu errei quando não registrei. Eu nunca imaginei nada disso. Todo mundo tem arma em casa, quem é que não tem? Eu mesmo já estou providenciando ter outra arma. Eu não vou ficar lá desarmado, à mercê daquele pessoal. Isso tudo levou mais ou menos uns 30 minutos. Não sei precisar as horas. Nesse momento me acalmei completamente. Era um equivoco, meus irmãos iriam aparecer, um deles é advogado, tenho uma família estabilizada por honra e honestidade, o que é uma coisa natural na nossa família.

Delegacia
Na delegacia, me deixaram algemado o tempo todo. Até policiais que me conhecem passavam de um lado pro outro, naquela algazarra, com comentários e eu ali, em pé, algemado. Me chamaram em uma sala para dar informações de registro, etc, e eu continuei algemado. Não deveriam me deixar daquele jeito na delegacia. Eu já estava lá, por que continuar algemado? Fiquei com vontade de ir ao banheiro e, graças a um policial conhecido, a quem eu pedi para que me deixasse ir ao banheiro, pois eu tenho o costume de fazer minhas necessidades fisiológicas pela manhã, fiquei mais aliviado. Logo em seguida a isso, me levaram para a carceragem. Uma ilegalidade. Eu tenho nível superior e eles não poderiam fazer aquilo. Eu não ofereci resistência nenhuma, não questionei nada, não abria a boca pra dizer absolutamente nada, só pra responder o que me perguntavam. Eu estava lá totalmente pacifico, transportei minha mente pra uma praia paradisíaca que eu gosto de ir e fiquei longe daquela onda toda, pois aquela onda não era a minha. E o equivoco acontece. Eu, como agrônomo, já posso ter errado nos meus trabalhos. Posso ter errado com algumas pessoas que trabalham comigo em projetos que eu fiz. Erros são normais. Vocês vão erra como jornalistas. A justiça errou quando fez aquilo. Os policiais fizeram uma ação em cima de uma pessoa inocente. Eu nunca vi uma maconha na minha vida. Nunca vi uma cocaína, nem sei o que é isso. Vejo pela televisão, em filmes e revistas. Aí me colocaram na carceragem.

Carceragem
Quando eu cheguei à carceragem vi aquela situação horrível, pois é um absurdo como tratam os presos. Tratam os presos como aqueles cachorros sarnentos, que não valem pra porcaria nenhuma. Quer dizer, uma sociedade que se diz cristã, pega uns bandidos que são umas feras cá fora e jogam em um lugar onde nós, da sociedade, nos transformamos na mesma fera que eles. Porque a punição e castigo que dão para aquelas pessoas parecem tortura chinesa. É indigno. Eu ainda cheguei a falar com um deles ‘rapaz, eu não sei o porque vocês continuam nessa vida. Eu preferia ganhar 10 reais por dia, debaixo do sol quente, arrancando toco de jerema, mas eu não queria ter uma profissão dessa, pra parar aqui. Ainda fazer mal as pessoas.’. Numa cela onde só cabia uma ou duas, tinha quatro ou cinco. Um entulhado por cima do outro. Aí me deu aquela compaixão, porque eu sabia que eu sairia dali rapidamente. Eu não tinha nada haver com aquilo. Foi um equivoco. Meus irmãos iriam chegar, o prefeito da cidade [Carlos Pereira] também estava na delegacia, pois todos me conhecem aqui, sabem que seria improvável aquilo tudo. Aí uma pessoa me chamou e eu pensei que seria pra me tirar de lá. Pensei logo em meus irmãos, pois somos unidos. Buliu com um de nós e, ordeiramente, dentro da lei, vamos resolver. É uma família organizada, estruturada, um ajudando o outro. Somos muito amigos. Meu pai nos criou com disciplina e amizade. E somos assim até hoje. Porém, quando eu percebi, vi o pessoal tirando o meu retrato. Mas não fiquei preocupado. O que vale é o que eu sou e o que minha consciência diz, não o que vão dizer por aí.

Saída
Quando saí da carceragem, encontrei meu irmão falando com o delegado, brigando pelos equívocos da ação e da prisão. Meus pulsos ficaram com uma mancha roxa enorme, pois os policiais tinham apertado demais as algemas. O prefeito [de Cachoeira] também estava lá. Fiquei emocionado ao ver a minha família lá, me dando total apoio.

Trabalho Social

Na verdade, eu dei indícios que eu poderia estar envolvido com aquilo tudo. Eu não achei que o juiz foi precipitado em mandar executar aquela ação. A verdade é que existe na Ladeira da Cadeia uma questão critica. As pessoas estão indo embora de lá. Tem áreas que parece uma zona de guerra. As casas com as portas escancaradas, todo mundo abandonando tudo. Eu moro há mais de trinta anos ali. Sempre gostei de terra, sempre gostei de cultivar e sempre gostei de ajudar as comunidades carentes. Eu desenvolvo um trabalho social tirando esses meninos da droga. Eu cheguei a ter doze meninos trabalhando na cooperativa, pagando do meu dinheiro. Todos eles ex olheiros, ex integrantes do tráfico. Faço esse trabalho afrontando eles [os traficantes]. E eles não fazem nada comigo por conta do meu histórico. Eu vi todos eles crescerem. As mães e os pais já trabalharam comigo, são meus amigos, pessoas da minha relação e eles já foram lá na minha roça, quando eram pequenos, e pegavam frutas. Eu permitia porque eu sabia da necessidade que eles passavam. Então eu confrontava o tráfico. Na época de Nico e Bola tirei vários olheiros deles. Eu vendia pão, nove por 1 real pra ajudar a população pobre. E por várias vezes, Nico mandava o pessoal dele, com armas na mão, comprar o pão comigo. Eu tirava os cones que eles obstruíam as ruas para ter controle e passava com o carro pra vender pão. Eu nunca os temi. Não tinha nada contra eles, nunca delatei e nunca vou delatar. O Tenente Suzart, que é muito meu amigo, colega de Karatê, me pediu várias vezes ajuda para prender Bola e Nico. Eu dizia que eu não era um delator. Eu não faria isso de forma alguma. Eu tenho uma família pra cuidar. Eu tenho filhos, dois trabalham lá comigo, com a vida toda pela frente e eu não vou arriscar a vida dos meus filhos. Eu tenho que me proteger, porque a polícia nunca nos protegeu. Eu já falei isso para os policiais, que são amigos, que quando eles chegam na Câmara pra subir a Ladeira da Cadeia, os traficantes já sabem aqui em cima. Então tem alguém dizendo isso pra eles. Você acha que eu é quem vai delatar? Não. Eu pensava nos meus filhos. Eu não sou delator.

Relação com Bola
Um dia eu descia no horário de vender o pão e o Bola me procurou. Eu já sabia que ele iria me procurar porque ele havia procurado outra pessoa, que eu não vou citar o nome, pra se entregar. Ele queria que alguma autoridade importante da cidade fizesse essa intermediação. Essa pessoa que procurou inicialmente se recusou e me ligou, num domingo, dizendo pra gente não se expor. Eu já estava alertado. Quando foi na terça, eu estava entrando no escritório e vejo o Mailson (Bola), com dois revolveres na mão, pra se entregar. Ele me disse ‘Cacai, eu vim me entregar ao senhor’. Eu tomei um susto e a primeira imagem que veio na minha cabeça foi a de Suzart [Comandante da operação que prendeu Bola]. Aí ele me disse ‘Minha mãe tem que estar presente, meu pai, um repórter e você vai me garanti que eles não vão me bater e nem vão me matar. E tem essa arma que você vai guardar pra quando eu saí. E esse ninguém sabe, ninguém pode saber.’ Ai eu expliquei a ele que esse acordo seria feito com o Comandante Suzart. Eu ligaria  pra Suzart e esse seria um compromisso dele com Bola e, também, comigo. Sobre a arma eu pensei que, estando comigo, ela estaria fora de circulação. Na minha mão, ela não faria mal a ninguém. Tiraria o Bola de circulação, já que estava todo mundo procurando por ele, já que era uma pessoa extremamente perigosa e fria. Você precisava ver o jeito que ele falou comigo, o jeito que ele falou com Suzart no telefone e na hora em que ele foi preso. Não moveu um músculo. A mãe dele chorou, aquela cena dramática e ele extremamente gelado. É terrível. Levei ele pra um terreno da família, que estava em construção, quando Suzart chegou e cumpriu exatamente o que foi acordado por telefone. Preso ele ainda confessou que iria matar duas pessoas. E aquilo me deixou até conformado, pois Suzart chegou até a me falar que o meu intermédio acabou protegendo a vida de duas pessoas. Então, ele veio me procurar nesse sentido e eu, inocentemente e ingenuamente, fiquei com a arma, pensando em tirar ela de circulação.

A Arma de Bola


Depois que Bola foi preso, Jorjão assumiu. Parece negocio de militar, eles vão se reorganizando. Quinze dias depois da prisão de Bola chega Jorjão, com seis homens, todos armados, e me diz ‘Eu vim buscar o revolver de Bola’. Eu enfrentei e disse que não iria entregar. Expliquei que tinha feito  um acordo com Bola. Foi então que ele puxou o celular e me entregou pra eu falar com Bola. Foi outro erro que eu cometi. Em três semanas preso, o cara já estava com um celular dentro de uma penitenciaria. A conclusão que eu e meus irmãos chegamos é de que aquele celular estava grampeado. Só pode ser. Quando eu falei com Bola, ele disse ‘rapaz, está uma desgraça aqui. Me bateram e eu estou aqui lenhado. Entrega o revolver aí a Jorjão.’. Então fui, peguei o revolver e entreguei. Lembro que ainda disse: ‘Jorjão, vê se não mata inocente com essa arma’. Ele respondeu: ‘De boa.’ E saiu.

Arma em casa
Eu tenho arma de novo em casa. Eu não vou ficar desarmado não, cara. Não vou ficar acuado. Se esses caras me pegarem eu quero morrer me defendendo.

Agora lá deve ter uns seis ou sete adolescentes armados. E aquela comunidade, no mínimo, tem uns duzentos homens. Eu não sei como seis adolescentes conseguem controlar e amedrontar duzentos homens. Eu fico impressionado. Todo mundo com medo de falar. Agora as pessoas estão com medo dos traficantes e com medo dos policiais. Porque os policiais quando chegam lá, no exercício da sua profissão, pois eu não condeno e nem critico, só que nessa ação, não tem como eles distinguirem o bandido do mocinho. Aí eles acabam pegando gente que não tem nada com o tráfico, arromba casa, sacoleja, maltrata pessoas que não tem nada a ver. Só estão amedrontados.

Destemor
Por várias vezes eu demonstrei destemor. E não tinha nenhum preconceito. Esse é o problema da minha vinculação. Eu vi aqueles meninos desde pequenos. Como eu estou vendo essa geração hoje, que estou tentando ajudar, através da cooperativa, que serão futuros marginais se alguém não amparar. Porque a sociedade civil não ampara e o poder público não ampara. É um egoísmo retado, todo mundo cuidado de si. Ninguém lembra que aquele pessoal vive numa miserabilidade absoluta, ninguém se importa com eles e essa geração que está crescendo, entre 8 e 10 anos,  e se ninguém amparar, vão se tornar futuros marginais.

Imagine uma criança, abandonada totalmente, aliciada por outros maiores. Cooptado por traficantes, com 10 anos, a primeira imagem é de amparo, de alguém que abraça eles. Daí o traficante dá poder a essa criança, dá dinheiro a ela, coloca uma arma na mão dela e a droga. Aí ela não sai, dá trabalho pra sair. A cooperativa conseguiu tirar dois e tem dois que estão com a gente que já estavam assaltando de mão armada. Então eu vi essas pessoas crescerem. Nico passava por mim e falava comigo, com uma arma na mão e outra na cintura.

Mágoa
Um homem dessa natureza, que vai chegando aos 60 anos, com a família toda organizada e passa por isso. É difícil. O cara não tem obrigação de saber quem eu sou. O juiz não tem obrigação de me conhecer, saber quem eu sou e a história da minha família. Minha família aqui em Cachoeira é secular. Eu sou o único membro que causou esse transtorno e levantou essa dúvida em torno do nome da família Lobo. Minha mulher é vereadora,  ele poderia ter um pouco de sensibilidade e chamar Meire para conversar. Poderia ir lá, conhecer os trabalhos sociais que mantemos lá, em sua maioria do meu bolso. Mas foi justamente essa vinculação com o pessoal do trafico que eles não compreenderam. Isso é desculpável. É muita coisa no judiciário, é muito problema. Ele, o juiz que autorizou a ação, queria resolver o problema da Ladeira da Cadeia. O que eu também queria, quando Bola veio me procurar, era tirar ele de circulação. Eu não imaginei que aquele revolver iria me causar esse transtorno. Eu só imaginei que, na minha mão, ninguém iria fazer besteira. Devolvi a arma para Jorjão, não iria quebrar acordo. Minha mulher queria que eu entregasse a policia. Imagina se eu faço isso? Eles poderiam me matar. Polícia vem, me prende e vai saber a verdade, como aconteceu. Bandido, não. Ele vem e mata perversamente. Então, não sou homem de guardar magoas. Vou conversar com o juiz e dizer a ele sobre minha origem, a minha família e conhecer os meus projetos sociais na Ladeira da Cadeia. Não tenho magoa dos policiais, perdoou eles pelos descuidos de me deixar lá, algemado daquele jeito. Nem lembro mais daquele dia.


Fonte: Primogênio Notícias.

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