terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Os militares cometeram a burrice de me prender, afirma Lula à CNV: veja video

Foto: Estadão Conteúdo 
Foto: Estadão ConteúdoSegue a nota que este blog recebeu 
da CNV:

Ex-presidente fala à Comissão Nacional da Verdade sobre a prisão, perseguição e monitoramento sofridos durante a ditadura militar

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a Comissão Nacional da Verdade, em São Paulo, para dar seu depoimento sobre a perseguição e repressão sofridas no período da ditadura militar no Brasil. Durante cerca de uma hora e meia, Lula contou aos membros da CNV, Maria Rita Kehl e Paulo Sérgio Pinheiro, como foi lutar por melhores condições de trabalho nos anos 1970 e 1980, e deu detalhes sobre os 31 dias que passou na cadeia, sua relação com os militares, com o então delegado Romeu Tuma, investigadores e carcereiros.

Veja edição do depoimento de Lula à CNV 
Nos anos de 1970 o ex-presidente já participava ativamente do sindicalismo no ABC paulista, era metalúrgico e lutava por melhores condições de vida para os trabalhadores. Já o irmão, José Ferreira de Melo, o Frei Chico, era militante político que atuava pelo Partidão, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), e frequentemente tentava levar Lula para a militância.

“O Frei Chico costumava me convidar, já em 1973, 1974, para algumas reuniões clandestinas, de noite, no apartamento não sei de quem. Eu falava: ‘Eu não vou porque se o cara quiser conversar comigo é melhor ir lá no sindicato’. Eu dizia para o Frei Chico assim: ‘O que você faz escondido, eu faço na porta da Volkswagen’. Eu lembro do Ratinho, que ia para porta da fábrica, e dizia: ‘Nós vamos ter que lutar porque a ditadura só vai acabar quando o sangue estiver batendo nas nossas canelas’. Para um cara organizado isso era uma coisa horrorosa, mas para um peão de fábrica isso não quer dizer nada.”

Lula continuou no seu caminho e quanto mais força o sindicalismo tinha, mais divergente ficava da militância política. Apesar da diferença, segundo o ex-presidente, o fortalecimento da luta pela democracia foi aprendido por meio do embate. O ex-presidente explica que, após 1968, a indústria automobilística começou a colocar em prática uma política de arrocho salarial. Os aumentos na folha de pagamento foram ficando, no início da década de 1970, cada vez menos frequentes, criando assim um clima de animosidade. Já os sindicalistas, a partir de 1972, começaram a inovar nas suas reivindicações e em 1977 fizeram uma campanha para obter 34,1% de reposição salarial que fortaleceu a categoria.  A partir daí os trabalhadores intensificaram o movimento de greve.

“Havia todo um movimento na sociedade, quando os trabalhadores resolveram acordar de vez. E por que aconteceu na Scania? Porque era uma empresa muito organizada, onde os trabalhadores tinham um salário razoável e começaram sentir perda salarial. No dia que eles receberam o pagamento, que não veio o reajuste que eles imaginavam, eles pararam. E isso foi como se acendesse um pavio. Naquele ano de 1978, nós fizemos greve o ano inteiro em fábricas diferenciadas, cada uma de um jeito, da forma que os trabalhadores se organizavam e fomos descobrindo a ligação das nossas reivindicações com a luta pela democracia. Nós conseguimos exteriorizar um sentimento que já estava na sociedade brasileira, era um momento tão importante para o Brasil que ninguém mais queria ser chamado de médico ou professor, era tudo trabalhador”, disse.

MONITORAMENTO - Em setembro deste ano a Comissão Nacional da Verdade apresentou, em São Paulo, documentos que indicavam o monitoramento e espionagem de trabalhadores, por parte de empresas brasileiras e estrangeiras.

Um dos documentos mostra claramente que o ex-presidente da República Luis Inácio Lula da Silva foi monitorado pela Volkswagen. O relato traz detalhes de como foi a assembleia dos mutuários de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, realizada em 19 de junho de 1983. No documento, constam dados como horário de início e de término, local, quantidade de pessoas presentes, nome completo e função dos oradores e até mesmo o que foi dito na assembleia.

Segundo o relatório, os mutuários eram contra o aumento de 130% na prestação da casa própria e Lula afirmava que a única maneira dos mutuários acabarem com “essa pouca vergonha do governo” era não pagar mais as prestações do Banco Nacional da Habitação (BNH). 

“Eles me vigiavam em cinema. Na assembleia, a gente notava que eles estavam lá. Às vezes, disfarçados no bar do sindicato. Na minha casa, por exemplo, eles paravam a perua na porta e passavam a noite. Às vezes, para encher o saco, a Marisa (Letícia, esposa de Lula) mandava fazer café e mandava levar para eles. Foram uns três ou quatros anos que eles monitoraram e me acompanharam antes da prisão”, brincou.

PRISÃO - Em 1979, Lula encerrou uma greve longa e que causou a intervenção no sindicato, aceitando uma proposta, que, na avaliação dele era interessante. Lula conta que os trabalhadores não concordavam em voltar ao trabalho, mas diante de sua liderança, resolveram dar um voto de confiança para que Lula continuasse negociando e, mesmo contrariados, voltaram à atividade na fábrica.

Já no ano seguinte, 1980, os trabalhadores fizeram uma nova greve e, de acordo com o ex-presidente, com dezessete dias de greve: “Os militares cometeram a burrice de me prender, porque não tinha mais como continuar a greve”. Segundo Lula, quando os empresários paravam de negociar e os sindicalistas não tinham mais notícias para passar aos grevistas, ninguém aguentava continuar na greve e este era o cenário daquele ano.

“O que aconteceu quando eles me prenderam? Foi uma motivação a mais para a greve continuar, as mulheres fizeram uma passeata muito bonita em São Bernardo do Campo, depois foi aquele primeiro de maio histórico, em que foi o Vinícius de Moraes, e a greve durou mais quase 30 dias”.

A prisão do ex-presidente e de outros sindicalistas aconteceu no mesmo dia da prisão de Dalmo Dallari, pai do coordenador da CNV, Pedro Dallari, e no mesmo dia do membro da Comissão da Nacional da Verdade, José Carlos Dias. No caminho para o Dops, Departamento de Ordem Política e Social, onde ficou preso, Lula teve medo de ser assassinado, mas a apreensão acabou quando ouviu no rádio do carro que o levava à delegacia, a notícia da sua prisão, que rapidamente havia sido comunicada pelo Frei Beto à imprensa. 

Dentro da cadeia, segundo Lula, o tratamento não foi ruim. Ele conta que foi recebido por Romeu Tuma, na época diretor-geral do Dops, com dignidade, e foi inclusive, durante os 31 dias que ficou preso, liberado para ver a mãe que estava com câncer.

“Quando nós fomos presos, uma coisa que o Tuma ficava indignado era quando ele interrogava um cara que tinha uma formação ideológica de algum grupo político. O Tuma dizia: ‘Esse pessoal, quando interrogado, tem toda uma história certinha para contar, parece que estudou e decorou um ritual’. Os metalúrgicos não, a gente falava a única coisa que a gente sabia, ou seja, por que a gente fez greve? Porque a gente queria aumento de salário. E o que deixava o Tuma indignado, era que o discurso era um só, a explicação nossa era uma só, não tinham duas explicações.

Na cadeia, Lula fez greve de fome de seis dias e manteve, mesmo dentro da prisão, a atuação sindical. Segundo o ex-presidente, os investigadores foram aconselhados por ele a lutar por um salário mais digno, em uma assembleia feita dentro do Dops. Lula ainda convivia bem como o carcereiro conhecido como Picadão, que anos depois entrou para o PT, e conseguiu, com o próprio Tuma, uma TV para assistir à partida de futebol entre Corinthians e Botafogo. “A gente foi tratado lá com um certo respeito porque tinha muita gente do lado de fora, não era um preso comum, tinha trabalhador, estudante, intelectuais, igreja, todo mundo”, finalizou.

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