Por Crispim
Quirino*
O
Recôncavo da Bahia comemora mais um dia de festa, e são tantas com tantos
problemas...
A
Cidade Histórica da Cachoeira recebeu a Flica – Festa Literária Internacional
da Cachoeira, que começou no dia 29 de outubro e terminou no dia 02 de novembro
de 2014...Não queremos aqui tratar dos nomes que participaram dessa festa nem tampouco falar dos seus patrocinadores,
que foram muitos: público-privado. O que buscamos é falar de uma outra face que
ficou escondida pela organização da festa. Para ilustrar a nossa observação,
vejamos: aconteceu no “Pouso da Palavra” um bate-papo com poesia e música, envolvendo
poetas da região e Dona Dalva do Samba de Roda – Doutora Honoris Causa; recital público na Praça da Liberdade com
poetas locais; exposições de pinturas e exposições de livreto-poema para
vendas; publicação de livro infanto-juvenil, com pinturas, na Fundação Hansen
Bahia e na Fundação Maria da Cruz; enfim, um mosaico ofuscado, mas não apagado
pela FLICA, que em nada apoiou. Daí, propormos aos organizadores e aos
patrocinadores PÚBLICOS que façam nas próximas edições a FLIRB – Feira
Literária do Recôncavo da Bahia, com participações dos artistas da Cachoeira
e região, já que se trata de nós contribuintes e fazedores da Cultura Popular à
margem do evento do dia 29.
A
imagem que a FLICA deixou foi a de uma Festa
elitizada e seleta, onde a “imagem” do convidado (a) foi o destaque, já que livro que é bom a população não teve,
cuja marca de uma literatura foi vendida pelas empresas envolvidas através da
propagação imagética dos convidados... comprou livro quem pôde... É preciso que
a FLICA crie um Vale Livro oportunizando os menos favorecidos e pobres
que existem, em milhares, na região, que não têm o devido acesso e poder de
compra dos livros dos autores convidados...
Se
por um lado, a Flica movimentou a cidade com turistas, (o que não é novidade
para uma Cidade Histórica que leva o poder de uma região como é o Recôncavo da
Bahia), por outro, deixou a desejar, a saber, quando no local principal do
evento, na Igreja do Carmo, os ouvintes tiveram de ficar apertados e sem
conforto, não tendo nem água para beber, o que é pouco para um evento como
esse, assim como a falta de uma interação entre palestrante-ouvinte, se
limitando a perguntas, feitas pela plateia, que muitas das vezes sequer eram selecionadas e respondidas. Sem
falar do número de segurança que parecia fazer a segurança de um artista pop do
que propriamente do evento (não se sabe o pois) ...A Festa Literária
Internacional da Cachoeira parecia uma festa de poucos e para poucos. O que é
uma tristeza. Reforçando para alguns que Literatura na Bahia ainda é coisa pra turista
ver, é pra seletos...
O
certo foi que mais de 90% dos trabalhadores, diretos e indiretamente, “foram de fora”, levando assim o apoio da
Prefeitura da Cachoeira que deveria cobrar a participação dos trabalhadores
da cidade no evento, bem como do dinheiro público que é nosso, pagos pelos
absurdos impostos estipulados pela União em comum acordo com os Estados. Fica a
experiência pra que não erre outra vez.
Uma
outra questão foi a falta de expressiva participação dos grupos
artístico-culturais que temos na Cidade Histórica: artistas plásticos, grupos
de capoeira, sambas-de-roda, bandas diversas, performances, poetas, escritores,
dentre outras culturas que se fazem notáveis e firmes nessa localidade do
Recôncavo da Bahia...; e vale dizer que todos deveriam ser “pagos” e não
prestadores de serviços, como ficou notório no mínimo e seleto espaço do IPHAN
em frente da Casa de Câmara e Cadeia da Cachoeira ocupada por resistentes portadores
do saber fazer...
A Festa Literária Internacional da Cachoeira para ser
internacional, antes tem de ser local,
para assim contemplar o valor cultural que a Bahia tem, reconhecendo,
legitimando e dando o valor econômico que o estado deve ter a partir de suas
expressões culturais. O que não aconteceu. – Ficou a imagem de uma festa grande
para os grandes e poucos, ao contrário dos muitos e de face pobre que sequer comemorou a parte boa da festa. Eis a nossa
metáfora. Viva a República Cultural Capitalista e pouco democrática!...Daí,
a nossa pergunta: como um evento desse porte com vários apoios (Governo do
Estado, Petrobras, Faz Cultura, Governo Federal e etc.) só teve um palanque de
médio porte, um pequeno espaço do Convento do Carmo, local principal da Festa,
e o Cinema local, onde aconteceu a programação infantil, não agregar mais
espaços e mais apresentações artístico-culturais da região? Excluíram os
artistas do Recôncavo, para não falar da
Bahia? Por que trazer nomes da Europa e de outras partes do mundo, gastando
dinheiro público que pagamos honradamente, quando na Bahia se tem nomes de
elevados pesos e talvez maiores? Por que
nomes como os de Jorge Portugal, Germano Machado, Herculano Neto, Crispim
Quirino, Walter Fraga, Pedro Borges, Adilson Gomes da Silva, membro da Academia Escadense de Letras, Carlos Ribeiro, Aramis Galvão, dentre
outros, sobretudo os JOVENS ESCRITORES, ficaram de fora dessa Festa? Para ser
uma festa, que leva recursos públicos, deve ser uma festa de todos, senão da
maioria dos artistas locais, e não de poucos e estrangeiros. Não que os
estrangeiros não sejam bem vindos, mas primeiro devemos valorizar e APOIAR os
da terra para depois os de fora. Não podemos praticar a mesma política cultural
do Brasil Colônia, Brasil Império ou mesmo da República Elitista e excludente
como foi antes de 2002, quando o Partido dos Trabalhadores ocupou o poder
central brasileiro, com ações transformadoras e necessárias (foi para isso que
ele foi eleito...), reconhecendo na Participação Popular e de ação efetiva o
nosso Governo. Não. Não a Festa Internacional, mas sim a Festa Local.
Devemos localizar para internacionalizar e não o oposto. O Brasil vive uma
outra face da política de cultura e não devemos continuar mantendo os mesmos
erros e os mesmos problemas. Devemos agir com os artistas locais para depois
criar essa relação que deve existir: a dialética “glocal”. Antes não tínhamos como fazer isso, por diversos motivos,
mas agora temos com motivos de sobra: sexta maior economia mundial, país da
diversidade sociocultural, classe média em ascensão, população mais informada,
expressões artístico-culturais de elevados valores, sem falar dos cânones, os
já falecidos, como Machado de Assis, Portinari, Jorge Amado, Durval de Moraes,
Oscar Niemayer, Castro Alves, Darci Ribeiro, dentre outros, enfim, nomes que se
multiplicam a cada produção. E não é preciso provar o que todos nós brasileiros
sabemos, nós, filhos do Recôncavo...
Fica a pergunta: deve a FLICA continuar
agindo dessa forma, utilizando recursos públicos, patrocinando imagens de
pessoas de fora e não os da Bahia, em especial, os do Recôncavo da Bahia?
Questionar não é crime e nem é tristeza. Triste é se manter no erro praticando
a mesma hegemonia da arrogância e mesquinhez...
Portanto,
reconhecemos, nós baianos e brasileiros que somos, que a Festa Literária
Internacional da Cachoeira fora um sucesso (já que ela aconteceu e que não nos
poupa com sua ironia, a depender de que lado), e que para ser mais, deve ser
mais ampla, mais flexível e mais acessível a gente LOCAL, sobretudo os
ARTISTAS. Que venha mais e com mais participação popular e mais turistas, pois
é a nossa República Cultural e Democrática que pede e não à daquela praticada
no passado que não volta mais...os tempos são outros e a política é outra...
Vamos adiante. Que venha o futuro, com sua proposta cheia de caminhos...
*Quirino, como é carinhosamente
conhecido, é natural de Maragogipe/BA. Nascido junto a seu irmão, em 20 de
novembro de 1984. Escreve desde os treze. Publicou o romance “O Mistério de
Eduardo” (EGBA-2012) e está para publicar o segundo romance “Petróleo, navio e
gás”, cuja proposta é a mais atual da Literatura no Brasil. É poeta, ator, professor
e ativista cultural, é bacharelando pela UFRB.
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