sábado, 8 de novembro de 2014



A OUTRA FACE DA FLICA – UMA PROPOSTA, DIVERSOS CAMINHOS
 Por Crispim Quirino*

O Recôncavo da Bahia comemora mais um dia de festa, e são tantas com tantos problemas... 

A Cidade Histórica da Cachoeira recebeu a Flica – Festa Literária Internacional da Cachoeira, que começou no dia 29 de outubro e terminou no dia 02 de novembro de 2014...Não queremos aqui tratar dos nomes que participaram dessa festa  nem tampouco falar dos seus patrocinadores, que foram muitos: público-privado. O que buscamos é falar de uma outra face que ficou escondida pela organização da festa. Para ilustrar a nossa observação, vejamos: aconteceu no “Pouso da Palavra”  um bate-papo com poesia e música, envolvendo poetas da região e Dona Dalva do Samba de Roda – Doutora Honoris Causa; recital público na Praça da Liberdade com poetas locais; exposições de pinturas e exposições de livreto-poema para vendas; publicação de livro infanto-juvenil, com pinturas, na Fundação Hansen Bahia e na Fundação Maria da Cruz; enfim, um mosaico ofuscado, mas não apagado pela FLICA, que em nada apoiou. Daí, propormos aos organizadores e aos patrocinadores PÚBLICOS que façam nas próximas edições a FLIRB – Feira Literária do Recôncavo da Bahia, com participações dos artistas da Cachoeira e região, já que se trata de nós contribuintes e fazedores da Cultura Popular à margem do evento do dia 29.

A imagem que a FLICA deixou foi a de uma Festa elitizada e seleta, onde a “imagem” do convidado (a) foi o destaque,  já que livro que é bom a população não teve, cuja marca de uma literatura foi vendida pelas empresas envolvidas através da propagação imagética dos convidados... comprou livro quem pôde... É preciso que a FLICA crie um Vale Livro oportunizando os menos favorecidos e pobres que existem, em milhares, na região, que não têm o devido acesso e poder de compra dos livros dos autores convidados...

Se por um lado, a Flica movimentou a cidade com turistas, (o que não é novidade para uma Cidade Histórica que leva o poder de uma região como é o Recôncavo da Bahia), por outro, deixou a desejar, a saber, quando no local principal do evento, na Igreja do Carmo, os ouvintes tiveram de ficar apertados e sem conforto, não tendo nem água para beber, o que é pouco para um evento como esse, assim como a falta de uma interação entre palestrante-ouvinte, se limitando a perguntas, feitas pela plateia, que muitas das vezes  sequer eram selecionadas e respondidas. Sem falar do número de segurança que parecia fazer a segurança de um artista pop do que propriamente do evento (não se sabe o pois) ...A Festa Literária Internacional da Cachoeira parecia uma festa de poucos e para poucos. O que é uma tristeza. Reforçando para alguns que Literatura na Bahia ainda é coisa pra turista ver, é pra seletos...

O certo foi que mais de 90% dos trabalhadores, diretos e indiretamente, “foram de fora”, levando assim o apoio da Prefeitura da Cachoeira que deveria cobrar a participação dos trabalhadores da cidade no evento, bem como do dinheiro público que é nosso, pagos pelos absurdos impostos estipulados pela União em comum acordo com os Estados. Fica a experiência pra que não erre outra vez.

Uma outra questão foi a falta de expressiva participação dos grupos artístico-culturais que temos na Cidade Histórica: artistas plásticos, grupos de capoeira, sambas-de-roda, bandas diversas, performances, poetas, escritores, dentre outras culturas que se fazem notáveis e firmes nessa localidade do Recôncavo da Bahia...; e vale dizer que todos deveriam ser “pagos” e não prestadores de serviços, como ficou notório no mínimo e seleto espaço do IPHAN em frente da Casa de Câmara e Cadeia da Cachoeira ocupada por resistentes portadores do saber fazer... 

A Festa Literária Internacional da Cachoeira para ser internacional, antes tem de ser local, para assim contemplar o valor cultural que a Bahia tem, reconhecendo, legitimando e dando o valor econômico que o estado deve ter a partir de suas expressões culturais. O que não aconteceu. – Ficou a imagem de uma festa grande para os grandes e poucos, ao contrário dos muitos e de face pobre que  sequer comemorou a parte boa da festa. Eis a nossa metáfora. Viva a República Cultural Capitalista e pouco democrática!...Daí, a nossa pergunta: como um evento desse porte com vários apoios (Governo do Estado, Petrobras, Faz Cultura, Governo Federal e etc.) só teve um palanque de médio porte, um pequeno espaço do Convento do Carmo, local principal da Festa, e o Cinema local, onde aconteceu a programação infantil, não agregar mais espaços e mais apresentações artístico-culturais da região? Excluíram os artistas do Recôncavo,  para não falar da Bahia? Por que trazer nomes da Europa e de outras partes do mundo, gastando dinheiro público que pagamos honradamente, quando na Bahia se tem nomes de elevados pesos e talvez maiores?  Por que nomes como os de Jorge Portugal, Germano Machado, Herculano Neto, Crispim Quirino, Walter Fraga, Pedro Borges, Adilson Gomes da Silva, membro da Academia Escadense de Letras, Carlos Ribeiro, Aramis Galvão, dentre outros, sobretudo os JOVENS ESCRITORES, ficaram de fora dessa Festa? Para ser uma festa, que leva recursos públicos, deve ser uma festa de todos, senão da maioria dos artistas locais, e não de poucos e estrangeiros. Não que os estrangeiros não sejam bem vindos, mas primeiro devemos valorizar e APOIAR os da terra para depois os de fora. Não podemos praticar a mesma política cultural do Brasil Colônia, Brasil Império ou mesmo da República Elitista e excludente como foi antes de 2002, quando o Partido dos Trabalhadores ocupou o poder central brasileiro, com ações transformadoras e necessárias (foi para isso que ele foi eleito...), reconhecendo na Participação Popular e de ação efetiva o nosso Governo. Não. Não a Festa Internacional, mas sim a Festa Local. Devemos localizar para internacionalizar e não o oposto. O Brasil vive uma outra face da política de cultura e não devemos continuar mantendo os mesmos erros e os mesmos problemas. Devemos agir com os artistas locais para depois criar essa relação que deve existir: a dialética “glocal”. Antes não tínhamos como fazer isso, por diversos motivos, mas agora temos com motivos de sobra: sexta maior economia mundial, país da diversidade sociocultural, classe média em ascensão, população mais informada, expressões artístico-culturais de elevados valores, sem falar dos cânones, os já falecidos, como Machado de Assis, Portinari, Jorge Amado, Durval de Moraes, Oscar Niemayer, Castro Alves, Darci Ribeiro, dentre outros, enfim, nomes que se multiplicam a cada produção. E não é preciso provar o que todos nós brasileiros sabemos, nós, filhos do Recôncavo...

 Fica a pergunta: deve a FLICA continuar agindo dessa forma, utilizando recursos públicos, patrocinando imagens de pessoas de fora e não os da Bahia, em especial, os do Recôncavo da Bahia? Questionar não é crime e nem é tristeza. Triste é se manter no erro praticando a mesma hegemonia da arrogância e mesquinhez...

Portanto, reconhecemos, nós baianos e brasileiros que somos, que a Festa Literária Internacional da Cachoeira fora um sucesso (já que ela aconteceu e que não nos poupa com sua ironia, a depender de que lado), e que para ser mais, deve ser mais ampla, mais flexível e mais acessível a gente LOCAL, sobretudo os ARTISTAS. Que venha mais e com mais participação popular e mais turistas, pois é a nossa República Cultural e Democrática que pede e não à daquela praticada no passado que não volta mais...os tempos são outros e a política é outra... Vamos adiante. Que venha o futuro, com sua proposta cheia de caminhos...

*Quirino, como é carinhosamente conhecido, é natural de Maragogipe/BA. Nascido junto a seu irmão, em 20 de novembro de 1984. Escreve desde os treze. Publicou o romance “O Mistério de Eduardo” (EGBA-2012) e está para publicar o segundo romance “Petróleo, navio e gás”, cuja proposta é a mais atual da Literatura no Brasil. É poeta, ator, professor e ativista cultural, é bacharelando pela UFRB.

Nenhum comentário:

Postar um comentário