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Quanto valem
cinco meses na vida de uma pessoa?
Por Paulo Nogueira
José Dirceu
foi taxado de chefe de uma quadrilha que não existiu e condenado sem provas
pela Teoria do Domínio do Fato, cujo autor discorda de sua aplicação.
A pergunta
me ocorre quando penso em Zé Dirceu, preso exatamente há cinco meses na Papuda.
Alguém já fez essa conta para si mesmo? Em dinheiro, é difícil calcular.
Digamos que dessem a você, diante de uma sentença de cinco meses na cadeia, a
opção de pagar para não ir.
Quanto você
daria para ficar em casa? Para conviver com seus amigos, seus irmãos, seus
pais, seus filhos? Para poder ir à padaria pela manhã tomar uma média com pão e
manteiga? Para comer uma pizza domingo? Eis um caso de complicada precificação.
Do ponto de
vista de tempo em si, nada paga, evidentemente, a temporada na cadeia. Nossos
dias são limitados e escassos. Os cinco meses na cadeia – ou o que for – não
são acrescentados em sua vida a título de compensação.
E se a
sentença é injusta, ou absolutamente controversa? E se você acha que de um lado
enfrenta algozes para os quais só importa punir e de outro, amigos cuja
solidariedade e apoio não se manifestam numa hora tão complicada? Aí entram
outras coisas humanas: raiva, sentimento de impotência, revolta.
A conta
cresce expressivamente. Onde, nisso, fica o caso de Dirceu? Numa recomposição
rápida, temos um julgamento que o tempo mostrou ser um circo abjeto, animado e
manipulado por uma mídia que repetiu o comportamento de 1954 e 1964. Depois,
temos uma juíza que diz que, embora não existam provas contra Dirceu, se julga
no direito de condená-lo.
Juízes de
nível baixo, como se veria depois ao conhecê-los em sua pompa vazia,
sacramentariam a punição sem provas com uma figura chamada Teoria do Domínio
dos Fatos. (Nem o autor alemão da teoria achou que a adaptação dela para o
‘mensalão’ fazia sentido.) Numa canhestra matemática que levou um réu a ter uma
pena maior do que a que os noruegueses aplicaram ao assassino de dezenas de
jovens reunidos numa convenção, foram fixadas sentenças estapafúrdias como se
se tratasse de ciência exata. Os réus, no percurso, foram logo para o STF, o
que significou a perda de pelo menos uma segunda instância para a revisão dos
vereditos.
Depois, num
arroubo teatral, em 15 de novembro Joaquim Barbosa, sob os holofotes da mídia
que o incensou quando lhe conveio e agora o abandona como se esperava, manda
prender alguns, Dirceu entre eles. E na cadeia a perseguição como se amplia. Uma
proposta de emprego de um hotel vira um escândalo nacional artificialmente. Aparece
na mídia com alarde uma conexão no Panamá para o candidato a empregador de
Dirceu e depois ela desaparece quando se vê que não era nada – mas sem que os
leitores fiquem sabendo do complemento da história. Aparece outro emprego, mas
um jornal diz que Dirceu conversou com alguém pelo celular, e uma nota jamais
provada faz que Dirceu continue na prisão em regime integral.
Esta é a
vida brasileira: uma nota basta para deixar alguém na cadeia, ainda que ela não
se sustente. Basta que esse alguém seja Dirceu. Uma revista – a mesma que
impunemente tentou invadir criminosamente o quarto de Dirceu num hotel de
Brasília – continua em sua caçada insana e publica fotos que mostrariam os
“privilégios” de Dirceu na cadeia. Há, aí, uma dissonância cognitiva. As fotos
apresentam um Dirceu abatido, visivelmente mais magro. Não é nada compatível
com regalias ou privilégios.
Num dos
últimos capítulos da farsa, Barbosa – sem que a mídia lhe cobre nada por isso –
diz que as penas dos réus do ‘mensalão’ foram artificialmente infladas para que
não prescrevessem. Não é crime isso? Ou é uma inovação da justiça brasileira,
algo que poderia fascinar justiças menos sofisticadas como – já que falamos
nela – a norueguesa? Quanto, repito, valem cinco meses na vida de uma pessoa? Na
semana que vem, noticia-se hoje, Barbosa vai se pronunciar sobre o caso Dirceu.
Ainda que ele contrarie os prognósticos e libere Dirceu, quem vai pagar a conta
pelo tempo perdido e sofrido na prisão? Dirceu deveria processar o Estado, até
para que coisas assim tenham conseqüências. Não sei qual seria a quantia
arbitrada, mas não seria pouca.
Ironia
suprema, a conta seria paga por um Estado comandado por Dilma Rousseff e pelo
partido que Dirceu ajudou a construir, o PT. Parece o realismo fantástico de
Garcia Marquez numa versão de pesadelo, mas para Dirceu é a realidade como ela
é.
*Paulo
Nogueira é jornalista, fundador e diretor editorial do site de notícias e
análises Diário do Centro do Mundo.
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