terça-feira, 2 de julho de 2013

SASSEVASÁ



Um dia, quando me achava em Viena , no Hotel Bruck, ocorreu-me um fato curioso. Apareceu no hotel um estrangeiro, alto, de barba preta e óculos azuis, que falava um idioma desconhecido. O dono do hotel, ao saber que eu era professor de línguas na Universidade de Budapeste, pediu-me que servisse de intérprete. Chegando a minha presença o estrangeiro assim falou: - Letoh etsen otnesopa mu retbo ed airatsog. Por meio de gestos pedi-lhe que repetisse; não havia entendido uma única palavra de sua língua. Ele insistiu, já impaciente: - Otnesopa mu ojesed! etnemaralc meb essid ehl áj! Santo Deus! Que idioma seria esse que eu não consigo compreender? Seria algum dialeto turco? Polaco? Javanês? Estaria eu a ouvir uma nova língua internacional semelhante ao célebre Esperanto do grande sábio Zamenhof? Não é Esperanto, pois, eu também falo e entendo Esperanto, pois, o aprendi ainda jovem com o Prof. Manoel Borges dos Anjos, uma sumidade neste idioma, com aulas ministradas no Centro Espírita Obreiros do Bem, na cidade histórica da Cachoeira. O cavalheiro, percebendo, por certo, a minha indisfarçável atrapalhação, ajuntou, enérgico - Letoh ortuo arap ouv  !ednetne adan rohnes o. E enquanto eu procurava, ainda, recorrer aos meus conhecimentos linguísticos, o estrangeiro retirou-se, furioso, batendo com os pés. Aquele pequeno incidente feriu minha vaidade de poliglota profissional. Fui procurar o dr. Staniloff, eminente professor, e consultei-o sobre o caso. O estrangeiro falou-lhe em calabrês - explicou-me o ilustre filósofo. Inútil será dizer que resolvi, desde logo, estudar a fundo o calabrês; mandei buscar em Roma, vários livros, gramáticas e dicionários do dialeto falado na Calábria, e iniciei os meus estudos. Algum tempo depois fui surpreendido com a seguinte notícia, publicada em todos os jornais:

PRISÃO

“Foi preso, ontem, na porta do Hotel Bruck, um homem alto, de barba preta e óculos azuis. Trata-se de um funcionário do consulado português, que está atacado de alienação mental. Tem a curiosa mania de inventar uma nova língua internacional, pronunciando as avessas as palavras de seu próprio idioma. Só então percebi o meu erro. O tal estrangeiro falava - sassevasá, isto é, às avessas. O leitor, com certeza, já o havia percebido.

Veja!
Letoh etsen otnesopa mu retbo ed airatsog. = gostaria de obter um aposento neste hotel.
Otnesopa mu ojesed! etnemaralc meb essid ehl áj! = já lhe disse bem claramente! Desejo um aposento.
Letoh ortuo arap ouv  !ednetne adan rohnes o.= o senhor nada entende! Vou para outro hotel.

 Fonte: Maktub, do escritor Malba Tahan.



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