Um dia, quando me achava em Viena , no Hotel Bruck,
ocorreu-me um fato curioso. Apareceu no hotel um estrangeiro, alto, de barba
preta e óculos azuis, que falava um idioma desconhecido. O dono do hotel, ao
saber que eu era professor de línguas na Universidade de Budapeste, pediu-me
que servisse de intérprete. Chegando a minha presença o estrangeiro assim
falou: - Letoh etsen otnesopa mu retbo ed airatsog.
Por meio de gestos pedi-lhe que repetisse; não havia entendido uma única
palavra de sua língua. Ele insistiu, já impaciente: - Otnesopa
mu ojesed! etnemaralc meb essid ehl áj! Santo Deus! Que idioma seria
esse que eu não consigo compreender? Seria algum dialeto turco? Polaco?
Javanês? Estaria eu a ouvir uma nova língua internacional semelhante ao célebre
Esperanto do grande sábio Zamenhof? Não é Esperanto, pois, eu também falo e
entendo Esperanto, pois, o aprendi ainda jovem com o Prof. Manoel Borges dos
Anjos, uma sumidade neste idioma, com aulas ministradas no Centro Espírita
Obreiros do Bem, na cidade histórica da Cachoeira. O cavalheiro, percebendo,
por certo, a minha indisfarçável atrapalhação, ajuntou, enérgico - Letoh ortuo arap ouv
!ednetne adan rohnes o. E enquanto eu procurava, ainda, recorrer
aos meus conhecimentos linguísticos, o estrangeiro retirou-se, furioso, batendo
com os pés. Aquele pequeno incidente feriu minha vaidade de poliglota
profissional. Fui procurar o dr. Staniloff, eminente professor, e consultei-o
sobre o caso. O estrangeiro falou-lhe em calabrês - explicou-me o ilustre
filósofo. Inútil será dizer que resolvi, desde logo, estudar a fundo o
calabrês; mandei buscar em Roma, vários livros, gramáticas e dicionários do
dialeto falado na Calábria, e iniciei os meus estudos. Algum tempo depois fui
surpreendido com a seguinte notícia, publicada em todos os jornais:
PRISÃO
“Foi preso, ontem, na porta do Hotel Bruck, um homem
alto, de barba preta e óculos azuis. Trata-se de um funcionário do consulado
português, que está atacado de alienação mental. Tem a curiosa mania de
inventar uma nova língua internacional, pronunciando as avessas as palavras de
seu próprio idioma. Só então percebi o meu erro. O tal estrangeiro falava -
sassevasá, isto é, às avessas. O leitor, com certeza, já o havia percebido.
Veja!
Letoh etsen otnesopa mu retbo ed airatsog. = gostaria
de obter um aposento neste hotel.
Otnesopa mu ojesed! etnemaralc meb essid ehl
áj! = já lhe disse bem claramente! Desejo um
aposento.
Letoh ortuo arap ouv !ednetne adan rohnes o.= o senhor
nada entende! Vou para outro hotel.
Fonte: Maktub,
do escritor Malba Tahan.
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