quarta-feira, 1 de maio de 2013



Coluna de Aderbal Caetano Burgos*

Este colunista, a partir desta edição do Jornal O Guarany, contará a história da Polop, uma das mais fortes estruturas anti-golpe militar e contra a ditadura instalada no Brasil em 1964, de cuja organização foi militante.


FRAGMENTOS DE MEMÓRIA DA POLOP NA BAHIA

ORLANDO MIRANDA
Nos anos anteriores ao golpe militar de 1964, a Polop já possuía um grupo de militantes na Bahia. No congresso de fundação da Organização, em 1961, participou uma delegação baiana composta por representantes do Sul do Estado e por militantes de Salvador. Mas eu só iria tomar conhecimento das teses da Polop mais adiante.
Cheguei a Salvador no início dos anos 1960 para dar continuidade aos estudos, iniciados em Jequié, no Sudoeste baiano. Matriculei-me no primeiro ano do Científico do então famoso Colégio Central - Colégio Estadual da Bahia. Foi quando me iniciei na política estudantil. Cheguei a organizar uma chapa para a direção do Grêmio do Central, mas perdemos as eleições para outra chapa, liderada por Jaime Vieira Lima, num processo eleitoral conturbado.
Essa prática estudantil foi a descoberta da política por um jovem vindo do interior, onde a principal leitura era Seleções do Readers Digest. Mas a política descoberta era ainda rudimentar, onde Jaime Vieira Lima era apresentado como representante da "direita" para alguém que não sabia distinguir os conceitos de direita e esquerda. O passo seguinte foi tomar contato com posições nacionalistas. A defesa da Petrobras pareceu-me algo não só importante como inquestionável. Pesou nesse "salto" a leitura de um livro muito popular na época, sobre os problemas do petróleo no Brasil e a ação do imperialismo americano1. Num passe de mágica, os meus heróis, como pintado pela Seleções, desnudaram-se em vilões.


A Universidade antes do golpe
Ao entrar na Escola Politécnica da UFBA, em 1963, tomei conhecimento de um mundo novo, onde o debate das idéias e a prática política eram efervescentes.
A vitalidade do movimento estudantil a todos envolvia. A minha turma logo se dividiu em dois grupos opostos, acompanhando o que ocorria no conjunto do movimento: a "esquerda" e a "reação". Na Escola de Engenharia, a esquerda naquele ano era liderada, entre outros, por Haroldo Lima, Paulo Mendes e Sérgio Gaudenzi, todos da AP (Ação Popular). José Milton Ferreira (o "Gordo"), também da AP, era calouro como eu, mas logo passou à linha de frente. O PCB (Partido Comunista Brasileiro), conhecido como "Partidão", era forte, porém sem nomes muito expressivos. Valdir Regis, com pouco tempo de PCB, acabara de ser eleito presidente do Diretório Acadêmico. Fernando Alcoforado, recém-ingresso no Partido, atuava nos bastidores. A liderança maior era mesmo Haroldo Lima, que a todos empolgava nas assembléias e que, de certa forma, teve influência nos rumos da minha ação política. No plano das lutas políticas, a UNE (União Nacional dos Estudantes) se destacava, fazendo do movimento estudantil uma das forças mais atuantes da sociedade. A UNE levantava a bandeira da reforma universitária, propondo o fim da cátedra vitalícia, expressão maior do caráter arcaico e elitista da Universidade.
Para mim, foi a época da descoberta do marxismo e da literatura revolucionária. Na Universidade era intensa a circulação de literatura de esquerda, embora mais concentrada nas publicações ligadas ao campo ideológico do reformismo. Prevaleciam as publicações da Editora Fulgor, em geral traduções de obras de origem soviética. Divulgava-se Marx, mas quase nada de Lênin, Gramsci ou Trotski. Era chique andar com um livro da moda debaixo do braço, com a capa à vista. Gozava-se: Aquele ali tem o sovaco mais culto do pedaço! Era também a curtição do cinema de arte, sendo obrigatório assistir aqueles filmes herméticos e, nas rodas de bate-papo, interpretar as inimagináveis mensagens neles transmitidas.
Uma das minhas primeiras leituras foi Os princípios fundamentais da Filosofia, de Politzer. Longe estava de perceber que o materialismo ali transmitido era "mecanicista", não dialético, como fui entender depois. Mas o gosto pela leitura se estabeleceu, levando-me a adquirir livros e mais livros, em comprometimento do parco orçamento.
Foi então que passei a tomar conhecimento das teses da Polop, nas rodas de discussões no restaurante Universitário, onde o papo político era livre e aberto. Dois quadros representavam a Polop nesses embates, criticando a política reformista do PCB: José Luiz Pamponet e Almicar Baiardi. O primeiro era estudante de sociologia e, desde aquela época, dirigente nacional da Organização. Baiardi era estudante de agronomia.
Com o golpe, Pamponet entrou na clandestinidade, transferindo-se para o Rio de Janeiro onde foi esfaqueado num assalto em Copacabana. Passou um longo período em recuperação, retornando a Bahia, já desligado da Organização. Dedicou-se à carreira universitária e faleceu de Aids em agosto de 1998. Baiardi, após o golpe, foi fazer pós-graduação em algum país da América Latina, retornando por volta de 1967. Militou no MR-8 em São Paulo e, com a redemocratização, ligou-se ao PCB.
Das lutas desse período que antecedeu ao golpe militar, recordo-me da longa greve nacional dos estudantes, reivindicando um terço de participação nos Conselhos Universitários. Os grandes comícios pelas reformas de base de Jango. As manifestações dos petroleiros pela encampação da Refinaria de Capuava. A invasão da Reitoria da UFBA, no início de 1964. Participei desses eventos como ativista de base, mantendo uma aproximação maior com a AP, devido às amizades com colegas da Escola. Vale recordar alguns detalhes do episódio de invasão da Reitoria, face à inexistência de maiores registros escritos.
Carlos Lacerda, governador do então Estado da Guanabara, comandava as ações da direita, preparando a sua candidatura à presidência da República. O reitor da UFBA, Edgar Santos, convidou-o para proferir a aula inaugural do ano letivo de 1964, ocasionando grande indignação nos meios acadêmicos. No dia da aula, a UEB (União dos Estudantes da Bahia), convocou um comício de protesto na Praça da Sé. Na véspera já tínhamos pichado toda a Avenida Sete com o slogan "FORA CORVO!" (Corvo era o apelido de Lacerda). Durante o comício, que ocorria simultaneamente com o ato na Reitoria, surgiu a proposta de se ocupar os ônibus e obrigar os motoristas a dirigirem até a Reitoria. A proposta foi imediatamente assumida e, lá chegando, os manifestantes invadiram o recinto gritando palavras de ordem. As autoridades que ocupavam a mesa, à frente Lacerda e o então governador da Bahia, Lomanto Júnior, foram obrigadas a se retirar sob vaias. A aula inaugural foi transformada em ato político, mas em sentido contrário ao que pretendia o reitor.


*Aderbal Caetano Burgos, cachoeirano, viveu 25 anos na clandestinidade, liderando um dos mais fortes segmentos contra a ditadura militar instalada no Brasil, em 1964, hoje anistiado.


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