Coluna de Aderbal Caetano Burgos*
Este colunista, a partir desta edição do
Jornal O Guarany, contará a história da Polop, uma das mais fortes estruturas
anti-golpe militar e contra a ditadura instalada no Brasil em 1964, de cuja
organização foi militante.
FRAGMENTOS DE MEMÓRIA DA POLOP
NA BAHIA
ORLANDO MIRANDA
Nos anos anteriores ao golpe
militar de 1964, a Polop já possuía um grupo de militantes na Bahia. No
congresso de fundação da Organização, em 1961, participou uma delegação baiana composta
por representantes do Sul do Estado e por militantes de Salvador. Mas eu só
iria tomar conhecimento das teses da Polop mais adiante.
Cheguei a Salvador no início dos
anos 1960 para dar continuidade aos estudos, iniciados em Jequié, no Sudoeste
baiano. Matriculei-me no primeiro ano do Científico do então famoso Colégio
Central - Colégio Estadual da Bahia. Foi quando me iniciei na política
estudantil. Cheguei a organizar uma chapa para a direção do Grêmio do Central,
mas perdemos as eleições para outra chapa, liderada por Jaime Vieira Lima, num
processo eleitoral conturbado.
Essa prática estudantil foi a
descoberta da política por um jovem vindo do interior, onde a principal leitura
era Seleções do Readers Digest. Mas a política descoberta era ainda
rudimentar, onde Jaime Vieira Lima era apresentado como representante da
"direita" para alguém que não sabia distinguir os conceitos de
direita e esquerda. O passo seguinte foi tomar contato com posições
nacionalistas. A defesa da Petrobras pareceu-me algo não só importante como
inquestionável. Pesou nesse "salto" a leitura de um livro muito
popular na época, sobre os problemas do petróleo no Brasil e a ação do
imperialismo americano1. Num passe de mágica, os meus heróis, como pintado pela
Seleções, desnudaram-se em vilões.
A
Universidade antes do golpe
Ao entrar na Escola Politécnica
da UFBA, em 1963, tomei conhecimento de um mundo novo, onde o debate das idéias
e a prática política eram efervescentes.
A
vitalidade do movimento estudantil a todos envolvia. A minha turma logo se
dividiu em dois grupos opostos, acompanhando o que ocorria no conjunto do
movimento: a "esquerda" e a "reação". Na Escola de
Engenharia, a esquerda naquele ano era liderada, entre outros, por Haroldo
Lima, Paulo Mendes e Sérgio Gaudenzi, todos da AP (Ação Popular). José Milton
Ferreira (o "Gordo"), também da AP, era calouro como eu, mas logo
passou à linha de frente. O PCB (Partido Comunista Brasileiro), conhecido como
"Partidão", era forte, porém sem nomes muito expressivos. Valdir
Regis, com pouco tempo de PCB, acabara de ser eleito presidente do Diretório
Acadêmico. Fernando Alcoforado, recém-ingresso no Partido, atuava nos
bastidores. A liderança maior era mesmo Haroldo Lima, que a todos empolgava nas
assembléias e que, de certa forma, teve influência nos rumos da minha ação
política. No plano das lutas políticas, a UNE (União Nacional dos Estudantes)
se destacava, fazendo do movimento estudantil uma das forças mais atuantes da
sociedade. A UNE levantava a bandeira da reforma universitária, propondo o fim
da cátedra vitalícia, expressão maior do caráter arcaico e elitista da
Universidade.
Para mim, foi a época da
descoberta do marxismo e da literatura revolucionária. Na Universidade era
intensa a circulação de literatura de esquerda, embora mais concentrada nas
publicações ligadas ao campo ideológico do reformismo. Prevaleciam as
publicações da Editora Fulgor, em geral traduções de obras de origem soviética.
Divulgava-se Marx, mas quase nada de Lênin, Gramsci ou Trotski. Era chique andar
com um livro da moda debaixo do braço, com a capa à vista. Gozava-se: Aquele
ali tem o sovaco mais culto do pedaço! Era também a curtição do cinema de
arte, sendo obrigatório assistir aqueles filmes herméticos e, nas rodas de
bate-papo, interpretar as inimagináveis mensagens neles transmitidas.
Uma das minhas primeiras
leituras foi Os princípios fundamentais da Filosofia, de Politzer. Longe
estava de perceber que o materialismo ali transmitido era
"mecanicista", não dialético, como fui entender depois. Mas o gosto
pela leitura se estabeleceu, levando-me a adquirir livros e mais livros, em
comprometimento do parco orçamento.
Foi então que passei a tomar
conhecimento das teses da Polop, nas rodas de discussões no restaurante
Universitário, onde o papo político era livre e aberto. Dois quadros
representavam a Polop nesses embates, criticando a política reformista do PCB:
José Luiz Pamponet e Almicar Baiardi. O primeiro era estudante de sociologia e,
desde aquela época, dirigente nacional da Organização. Baiardi era estudante de
agronomia.
Com o golpe, Pamponet entrou na
clandestinidade, transferindo-se para o Rio de Janeiro onde foi esfaqueado num
assalto em Copacabana. Passou um longo período em recuperação, retornando a
Bahia, já desligado da Organização. Dedicou-se à carreira universitária e
faleceu de Aids em agosto de 1998. Baiardi, após o golpe, foi fazer
pós-graduação em algum país da América Latina, retornando por volta de 1967.
Militou no MR-8 em São Paulo e, com a redemocratização, ligou-se ao PCB.
Das lutas desse período que
antecedeu ao golpe militar, recordo-me da longa greve nacional dos estudantes,
reivindicando um terço de participação nos Conselhos Universitários. Os grandes
comícios pelas reformas de base de Jango. As manifestações dos petroleiros pela
encampação da Refinaria de Capuava. A invasão da Reitoria da UFBA, no início de
1964. Participei desses eventos como ativista de base, mantendo uma aproximação
maior com a AP, devido às amizades com colegas da Escola. Vale recordar alguns
detalhes do episódio de invasão da Reitoria, face à inexistência de maiores
registros escritos.
Carlos Lacerda, governador do
então Estado da Guanabara, comandava as ações da direita, preparando a sua
candidatura à presidência da República. O reitor da UFBA, Edgar Santos,
convidou-o para proferir a aula inaugural do ano letivo de 1964, ocasionando
grande indignação nos meios acadêmicos. No dia da aula, a UEB (União dos
Estudantes da Bahia), convocou um comício de protesto na Praça da Sé. Na
véspera já tínhamos pichado toda a Avenida Sete com o slogan "FORA
CORVO!" (Corvo era o apelido de Lacerda). Durante o comício, que ocorria
simultaneamente com o ato na Reitoria, surgiu a proposta de se ocupar os ônibus
e obrigar os motoristas a dirigirem até a Reitoria. A proposta foi
imediatamente assumida e, lá chegando, os manifestantes invadiram o recinto
gritando palavras de ordem. As autoridades que ocupavam a mesa, à frente
Lacerda e o então governador da Bahia, Lomanto Júnior, foram obrigadas a se
retirar sob vaias. A aula inaugural foi transformada em ato político, mas em
sentido contrário ao que pretendia o reitor.
*Aderbal Caetano Burgos,
cachoeirano, viveu 25 anos na clandestinidade, liderando um dos mais fortes
segmentos contra a ditadura militar instalada no Brasil, em 1964, hoje
anistiado.
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