Quando a justiça triunfa, mesmo significando cadeia
para um criminoso, há sempre que se alegrar. Fui tomado por esse sentimento,
dias atrás, ao ler a notícia de que uma motorista havia sido presa após furar
uma blitz da polícia, no bairro do Flamengo, no
Rio de Janeiro. Os delitos
cometidos – sejamos sérios – não eram tão graves em
relação a tantos outros
diariamente comentados pela mídia. Não obstante, para minha surpresa, a notícia teve
ampla repercussão na imprensa carioca, com direito a foto na primeira
página.
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Claudio Bernabucci
Christiane Ferraz Magarinos, comerciante de
42 anos, realmente exagerou. Não satisfeita de ter furado uma blitz da
Operação Lei Seca, quase atropelou o agente que tentava pará-la e, ao
ser abordada na garagem de casa, tentou subornar os policiais que a
convidavam a segui-los para a delegacia. Frustrada pelo insucesso de
suas manobras, ela não conseguiu reprimir a íntima natureza e finalmente
explodiu: “Neste País só pobres e favelados ficam presos. Eu sou rica e
influente!”
Para glória da República, seu dinheiro e posição social não
alcançaram o efeito desejado e, diligentemente, os policiais a levaram
presa, em evidente estado confusional, recebendo em troca chutes e
palavrões. No dia
seguinte, a juíza da 17ª Vara Criminal do Estado do Rio confirmou a
prisão preventiva, com pesadas incriminações que podem significar, se
confirmadas, anos atrás das grades. Obviamente, não é o que desejamos
para a neurótica motorista e consideramos medida equilibrada o habeas
corpus que permitiu a soltura após cinco dias de cela em companhia de
outras três criminosas. Depois da exemplar punição, é de se esperar que o
antecedente sirva para deter comportamentos similares de outros
corruptores arrogantes.
Na lógica da imprensa, sabe-se que cachorro que morde homem não faz notícia, mas homem que morde cachorro ganha
facilmente a primeira página. Será então que a prisão da rica
comerciante foi amplificada com tanta ênfase por essa razão? E não será
que ela simplesmente disse a verdade e sua punição representa só a
exceção que confirma a regra?
Fora de qualquer retórica, considero ignóbil o comportamento da senhora Christiane (que, ditoen passant,
além do nome, é, provavelmente, de religião cristã, a deduzir pela
quantidade de cruzes penduradas no pescoço e desenhadas em sua
camiseta). “Do alto” de sua posição social, ela tentou não só corromper
funcionários públicos no exercício de suas funções, mas, para facilitar o
suborno, também os humilhou referindo-se aos seus modestos salários. Os
que generalizam sobre a corrupção das instituições e, em particular,
sobre os malfeitos da polícia e do Poder Judiciário, deveriam refletir a
respeito desse pequeno episódio, emblemático de várias contradições
nacionais.
As células cancerígenas da corrupção brasileira se alimentam da
arrogância dos que ocupam posição social dominante e jogam com o poder
do dinheiro.
A doença espalha-se assim no corpo inteiro da Nação, mas tem matriz
muito clara no privilégio. Além disso, o episódio demonstra mais uma vez
que a habitual descrição de um poder político corrupto, a pisotear os
direitos da sociedade civil virtuosa, é imagem no mínimo distorcida. Ao
contrário, trata-se de duas faces da mesma moeda.
Considero os policiais e a juíza desse caso como exemplos de pequenas
virtudes civis. Por não ser fácil, é, portanto louvável, em certas
circunstâncias, cumprir apenas o próprio dever.
Sem exagerar no otimismo, devemos lembrar que nas mesmas horas em que
Christiane conhecia a prisão, o jovem Thor Batista, filho do empresário
Eike e da senhora Luma de Oliveira, recebeu da Justiça um tratamento
bem diferente e aparentemente privilegiado. Acusado de homicídio culposo
pela morte de um ciclista, ele poderá logo voltar a dirigir: seus
advogados conseguiram excluir do processo o laudo que atestava excesso
de velocidade quando atropelou o homem da bicicleta.
Exemplos menores como esse – até casos mais graves como o de Paulo
Maluf, na lista dos procurados pela Interpol e serenamente solto no
Brasil – levam a concluir com amargura que a impunidade dos ricos e
poderosos, geralmente brancos, continua sendo regra no País. Mas as
exceções estão por sorte aumentando e alimentam a esperança.
P.S. A senhora Christiane é uma representante típica
da classe média. Classe frequentemente celebrada pelo governo como
objetivo prioritário da Nação. No caso citado, estamos falando
evidentemente de uma classe média arrogante e mal-educada, sem ética nem
princípios republicanos. Temos consciência de que existem diferentes
modelos e valores de classe média, não apenas baseados em consumo e
bem-estar material, mas seria auspicioso que o governo, quando a nomeia,
indicasse também a qual tipo de classe média se refere.
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