quinta-feira, 27 de outubro de 2011

RIO DE JANEIRO/RJ E CACHOEIRA/BA


MEMÓRIA CACHOEIRANA

Precedente Inesperado

POR: ERIVALDO BRITO


No século 18, quem tivesse necessidade de ir da Cachoeira para a Bahia, (como se dizia à época quando se ia à Salvador), tinha de “pegar o vapor da carreira”, numa viagem de aproximadamente seis horas, ( quando o navio não ficava encalhado na “Coroa do Espadarte” ), ou então, cavalgar num lombo de um burro por quase quinze dias.

Dado a essa demora de ir e vir, a precariedade e enorme dificuldade da comunicação telegráfica, era normal que se inventassem histórias, criassem heróis e mitos, naturalmente jogando mais brilho em episódios que efetivamente ocorreram, afinal, como diz o velho adágio, “quem conta um conto acrescenta um ponto”. No meu caso pessoal, como dizia o bordão do jurado do Programa Flávio Cavalcante, Nélson Rubens, “eu aumento, mas não invento ! “

O governador da Bahia, Octávio Mangabeira, exemplo de homem público de reconhecida probidade, era, também, dotado de uma enorme capacidade de persuasão junto ao eleitorado. Sua pregação era que “o político tem uma missão na vida; priorizar o social e a condição humana”.

Naquele tempo existia em Salvador um beberrão contumaz, um sujeito surpreendentemente letrado, dotado de uma verve invejável e incomum a um tipo de rua qualquer. Quando fazia seus discursos inflamados, a política era o tema central e o seu alvo predileto era exatamente Octávio Mangabeira, um homem público decente e à altura do futuro da Bahia.

Os adversários políticos de Mangabeira adoravam e até mesmo incentivavam o orador pau dagua

a discursar da forma pejorativa pior possível, já que eles próprios não tinham a dignidade e coragem de fazê-lo.

Soube-se, depois do pleito, que era o próprio Mangabeira que mandava alguns de seus amigos mais chegados soltarem uns trocados para o popularíssimo orador alcoólatra xingá-lo, dizendo a todos o seguinte: “Falem de mim, nem que seja mal !”

E a estratégia traçada pelo político baiano deu certo. A maioria dos soteropolitanos acabaram se apiedando e tomando partido daquele que “estava sendo vitima das infâmias de um cachaceiro irresponsável !”.

Mangabeira elegeu-se sem dificuldades. No dia da posse, o astuto Mangabeira combinou com um dos seus correligionários a persuadir o seu detrator pinguço e levá-lo a um local estabelecido. Encerrando-se a solenidade na velha Catedral da Sé, a Comitiva governamental, tendo à frente Octávio Mangabeira, ao chegar na porta de entrada do Palácio, encontrando “casualmente” com o orador que tanto o esculhambava, deu-lhe o braço e subiram os degraus da escada da governadoria, enquanto a multidão reunida na praça entrava em delírio. Estava inaugurada a temporada de marketing nas terras de São Salvador, terra de Nosso Senhor.

Voltemos o nosso olhar, agora, para a Cachoeira. Aqui vivia o cachoeirano Dr. Argileu Silva, grande cultor das letras, nos tempos em que a “Heroica” era sobejamente reconhecida pela inteligência de seus filhos. Ele era figura obrigatória em qualquer agrupamento de intelectuais a fim de tocar música clássica, recitar poemas nas famosas tertúlia, as assembleias literárias dos clubes sociais e até mesmo nas residências.

Certo dia o Dr. Argileu foi chefiando uma embaixada cachoeirana para Salvador, cujo objetivo era levar algumas reivindicações da Cachoeira ao governador Mangabeira.

Reunidos no Salão Nobre do Palácio Tomé de Souza, o Dr. Argileu, que era uma patriota exaltado, estava no meio do seu pronunciamento, mesmo assim conseguiu escutar o governador dizer baixinho a um dos seus assessores: “Vai ver que não sabe nem cantar o Hino Nacional ! “

O Dr. Argileu não titubeou. Suspendeu abruptamente o discurso que estava fazendo, pediu licença ao governador, e, com aquela voz possante, - segundo depoimento dos que o conheceram, a sua voz era semelhante a do cantor Agnaldo Timóteo -, enchendo os salões do Palácio, cantando até a metade da estrofe da segunda parte do Hino Nacional. Em tom desafiador disse o seguinte: “ Agora, Excelência, prossiga !”

Mangabeira gostava de dizer aos amigos o seguinte: “Pense em um absurdo e eu apontarei que na Bahia já teve um precedente !”

Mal sabia o ilustre governador que ele próprio, depois daquele dia, seria protagonista de um episódio ainda sem precedência.

Como diria Albert Einstein: “É mais fácil desintegrar um átomo do que o preconceito de uma pessoa”.

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