MEMÓRIA
O ENCONTRO DE TITÃS
Por: Erivaldo Brito
Se tem uma coisa de que eu sempre lamento (e independeu da minha vontade, claro), é não ter alcançado o tempo sobranceiro do jornalismo e da literatura cachoeirana, ter conhecido intelectuais da mesma estirpe de um Pacheco de Miranda Filho, Alexandre Maciel Jr., Durval Chagas, Argileo Silva, Manuel Paulo Filho, Simões Filho e Augusto de Azevedo Luz, o grande responsável pela organização das secretarias da Santa Casa, da Loja Maçônica e do Rotary Clube. Esse último, na grande cheia do Paraguaçu do ano de 1960, perdeu grande parte do seu acervo (livros, revistas e periódicos cachoeiranos)que viraram lama devido ao descaso ou imprevidência de quem de direito à época. Lamentável.
Quando a sede da Filarmônica Lira Ceciliana estava funcionando em um sobrado na Ponte Nova, frente ao Jardim Grande, no dia do seu aniversário de fundação, a Diretoria da Sociedade resolveu homenagear com o título de benemerência, o pecuarista Benedito Dourado da Luz. Presente ao evento, eu que sou avesso a discursos, por faltar-me as palavras na hora exata, pedi e obtive permissão para solidarizar-me com aquele preito de gratidão,e, ao mesmo tempo, fazer um apelo para Benedito; que ele fizesse publicar em livro o “Adagiário Brasileiro” de seu tio Augusto de Azevedo Luz, cujo original estava em seu poder. No discurso de agradecimento, Benedito prometeu que editaria o livro, no entanto, como ninguém mais o procurou, caiu no esquecimento. Eu conheci parte do “Adagiário” publicado em o semanário “O Pequeno Jornal” de Epifânio Conceição.
Sabino de Campos, o poeta sempre lembrado por ter feito os versos do Hino da Cachoeira, como veio menino ainda morar nas plagas cachoeiranas, ter participado ativamente da época em que estamos trazendo à baila, é sempre confundido como nascido na Heroica, o que infelizmente não condiz com a verdade. Sabino era natural da cidade de Amargosa.
Naturalmente, Augusto e Sabino foram amigos íntimos. No ano de 1948, já radicado no Rio de Janeiro, Sabino de Campos veio a visitar a Cachoeira. No seu livro de memórias intitulado “A Voz dos Tempos”, o poeta lembra o que nós resolvemos nomear de “O Encontro de Titãs”. Com a palavra o poeta Sabino de Campos:
No ensejo das festas patrióticas, em Junho de 1948, meu amigo de infância, poeta Augusto de Azevedo Luz, membro proeminente do Rotary Clube de Cachoeira, convidou-me para um banquete naquele prestigioso sodalício, instalado no suntuoso edifício da Rua Ana Neri, antiga da Matriz, esquina da Praça da Aclamação.
Após o banquete, concorridíssimo pela elite social das duas cidades fronteiriças -Cachoeira e São Félix-, houve dança animada, com o médico, escritor e musicista, Dr. Artur Marques, ao piano, e encantadora tertúlia literária em que tomei parte recitando poesias inéditas de minha autoria.
O poeta Augusto de Azevedo , nome de alto conceito nas letras e na sociedade local, então casado com a professora pública D. Ursulina de Azevedo, e residente num casarão a que dera a denominação de “Thebaida”, a subida da antiga Ladeira do Assobio, no Caquende, mansão em que, dias depois, me oferecera lauto almoço – Augusto de Azevedo tirou da pasta amarela quatro sonetos, em cópias manuscritas, e me causou a maior surpresa !
Recitou-os. Eram versos que fizemos na juventude, por brincadeira, que os não guardei e dos quais nem mesmo tinha memória. Ei-los:
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Sabino de Campos (A Cachoeira, 31/7/1913)
Desejo amar. Uma deidade eu quero,
Gorduchita, galante e bem faceta,
Pra atender o meu amor sincero,
Coloquei este anúncio na gazeta.
Meu nome por Sabino o considero,
Sou feio, faço versos, não é peta:
Às vezes, tenho as convulsões de um Nero,
Mas a minha alma é mansa borboleta.
Hei de, amanhã, seguir de rua em rua,
E, quem quiser o meu amor, que estua,
De um sorriso, me mostre a sedução...
E se quem for satisfazer-me a lei,
Com todos os quesitos que citei,
Será rainha deste coração !
Augusto de Azevedo Luz, na mesma edição do citado semanário, parodiou o seu amigo Sabino, como veremos a seguir:
ANÚNCIO
Augusto de Azevedo Luz
Desejo amar. Donzela bem mimosa
Eu quero: papudinha, alva e jovial,
Para atender a esta ambição forçosa,
Ponho, agora, este anúncio no jornal.
Tenho de Augusto o nome trivial;
Sou míope, faço versos, não é prosa.
Às vezes, nutro propensões ao mal,
Vezes, minha alma é tímida e bondosa.
Quando, amanhã, sair de minha casa,
Quem desejar o meu amor que abrasa,
Nos alvos dentes prenda linda flor.
Se quem for despertar os meus cuidados,
Cingindo-se aos quesitos já citados,
Será dona gentil do meu amor!
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