Central do serviço demorou 1h40 para repassar chamado a ambulância
Fernando Gazzaneo e Lumi Zunica, do R7
É sábado de manhã e a central do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) recebe um chamado para prestar socorro a um morador de rua que estava inconsciente, respirava com dificuldade e tinha os sinais vitais alterados, conforme relatou a pessoa do outro lado da linha. Dez minutos depois, no Arsenal da Esperança, albergue da Prefeitura de São Paulo no centro da cidade, os enfermeiros do serviço encontram a vítima trancada no banheiro, desmaiada no chão e com o corpo sujo de fezes e urina.
Isso aconteceu no dia 27 de fevereiro deste ano. A ambulância do Samu destinada para atender Odair de Souza, de 37 anos, demorou um minuto para sair da base após receber o chamado e levou menos de dez para chegar ao albergue. No entanto, o paciente esperava o socorro havia quase duas horas - a central de operações do Samu demorou 1h40 para repassar o chamado à ambulância, de acordo com a ficha de atendimento. O paciente foi levado a um hospital da zona leste, mas, no mesmo dia, morreu de broncopneumonia.
O caso não pode ser considerado exceção. A reportagem do R7 fez um levantamento com base em numerais de ordem do Samu, documentos que mostram o tempo exato de cada passo das equipes, e encontrou chamados que deveriam receber prioridade no atendimento, mas que demoraram até quatro horas para serem repassados às equipes de socorro.
Com dificuldades para respirar e dor no abdômen, um cadeirante de 73 anos pediu socorro às 12h36 de 24 de fevereiro, mas a ambulância só recebeu o chamado às 17h01. Uma mulher de 86 anos sofreu uma queda, chamou o Samu às 6h47 do dia 16 de março e o socorro chegou só uma hora depois. O serviço demorou uma hora para atender, em 4 de abril, um paciente de 61 anos com histórico de AVC (Acidente Vascular Cerebral) que convulsionava e, mais de uma hora e meia, para prestar os primeiros socorros a uma gestante com sangramento no dia 6 de abril.
A reportagem do R7 relatou esses casos à coordenação do Samu, mas, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, as informações "não são suficientes para determinar a classificação de prioridade". Entretanto, como explicou o coordenador do Samu, Paulo Kron, as ocorrências que envolvem coração, cérebro e traumas devem ser consideradas de urgência pelas equipes por causa do risco de morte. Quanto ao caso do morador de rua, o Samu afirmou que a ocorrência será apurada com rigor por uma comissão.
Atendimentos de emergência
O médico Augusto Scalabrini, professor de emergências clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), comentou o caso de Souza a pedido da reportagem.
- Se o estado de inconsciência foi motivado pela baixa quantidade de açúcar no organismo [hipoglicemia], então este caso deveria ser atendido em questão de minutos. Partindo desta hipótese, 1h40 para atender um paciente é muito.
De acordo com o coordenador do Samu, o atendimento de emergência tem apresentado melhoras significativas nos últimos quatro anos. Nesse período, o tempo médio para a chegada do socorro caiu de 35 minutos para 16 minutos.
- O número de ambulâncias aumentou de 63, em 2004, para 177, em 2009. Antes, eram 32 bases e, agora, já temos 65 [média de 2,8 ambulâncias por base].
Kron ainda afirma que, atualmente, a chamada mortalidade imediata, que corresponde às quatro primeiras horas após o atendimento, caiu 40% em relação a 2004. O morador de rua morreu duas horas após chegar ao Hospital Municipal Dr. Ignácio Proença de Gouvêa, na Mooca.
Funcionários do Samu ouvidos pelo R7 dizem que a demora na passagem do chamado, da central para as equipes, ocorre porque o número de ambulâncias ainda é insuficiente para atender às ocorrências da cidade. Como relata uma enfermeira, que prefere ser identificada por S., “muitas vezes sobram equipes e faltam veículos para o socorro".
- Na base onde trabalho, só tem uma ambulância funcionando e outras quatro, paradas. O Samu fala que comprou mais ambulâncias, mas boa parte delas está parada por falta de conserto adequado.
O coordenador do Samu argumenta que o número de ambulâncias quase triplicou nos últimos quatro anos.
Já para o motorista M., a demora no conserto das ambulâncias pela oficina contratada pela prefeitura, Agricol, e a peças “de segunda mão que a empresa coloca nos carros” contribui para que os carros fiquem fora das ruas.
A reportagem do R7 apurou nesta semana que 35 ambulâncias estavam paradas no pátio da Agricol - muitas delas há pelo um mês -, esperando conserto. O diretor comercial da empresa, Claudio da Silva, diz que são apenas 15 os veículos aguardando reparos e que eles chegaram há poucos dias.
Ainda segundo Silva, as peças colocadas nas ambulâncias são novas, mas ele admite que a má conservação dos veículos contribua para que o trabalho seja mais demorado.
- As ambulâncias do Samu são de 2004 e a secretaria [de Saúde] tem consciência que estão velhas. Nós já dissemos pra prefeitura que elas precisam estar mais novas para que o nosso pessoal tenha mais condições para trabalhar.
No último dia 14 deste mês, a Prefeitura de São Paulo publicou no Diário Oficial da cidade a renovação por ano do contrato com a Agricol, no valor de R$ 6,7 milhões.
Trancado no banheiro
O vídeo do R7 mostra o momento em que a equipe do Samu chega para atender Odair de Souza. Como diagnosticaram os enfermeiros que fizeram o socorro, ele tinha ferimentos no rosto e no peito, sofria de hipotermia e hipoglicemia (quando a temperatura e os níveis de açúcar caem abaixo do normal) e tinha dificuldades para respirar. A equipe presta os primeiros socorros e chega em 12 minutos em hospital na Mooca, às 8h08.
O morador de rua foi acolhido pela primeira vez no albergue no dia 18 de fevereiro e, desde então, foi levado duas vezes para o hospital por causa do diabetes. No dia 27 de fevereiro, momentos depois de se queixar de dores, um funcionário do albergue o encontrou caído no chão. O monitor resolveu dar um banho nele, mas, antes que isso acontecesse, Souza ficou inconsciente. A vítima foi então colocada em cima de um cobertor que estava no chão do banheiro e a porta foi trancada.
Duas horas após ter chegado ao hospital, Souza morreu de broncopneumonia, segundo sua certidão de óbito, e foi enterrado por familiares. A reportagem do R7 não conseguiu localizá-los até a publicação desta reportagem.
Ana Cláudia Arantes, médica especializada em cuidados paliativos do hospital Albert Einstein, chama atenção para a forma como o morador foi atendido pelo albergue antes de chegar o socorro.
- O paciente provavelmente já vinha sofrendo de broncopneumonia e, deixá-lo no chão de um banheiro por duas horas, é uma atitude irresponsável. Ele respirava com dificuldades e a falta de oxigênio no organismo pode fazer o cérebro pifar em questão de segundos.
O representante do Arsenal da Esperança, Gianfranco Mellino, afirma que o morador não foi agredido dentro do albergue e que Souza foi trancado no banheiro para evitar tumulto. Mellino não afirmou se o albergue procurou outra forma de socorrer o morador de rua, como ligar para os bombeiros, durante uma hora e 40 minutos que esperou o Samu chegar. A Secretaria Municipal de Assistência Social, que cuida dos albergues, não emitiu parecer sobre o caso.
No dia em que Souza foi socorrido, funcionários do Samu e representantes do albergue foram até o 8º DP, no Brás, para registrar o caso. A polícia abriu um inquérito para investigar as agressões ao morador de rua. Procurada pelo R7 nesta semana, a delegada responsável pelo caso, Maria José Figueiredo, desconhecia a morte de Souza.
Isso aconteceu no dia 27 de fevereiro deste ano. A ambulância do Samu destinada para atender Odair de Souza, de 37 anos, demorou um minuto para sair da base após receber o chamado e levou menos de dez para chegar ao albergue. No entanto, o paciente esperava o socorro havia quase duas horas - a central de operações do Samu demorou 1h40 para repassar o chamado à ambulância, de acordo com a ficha de atendimento. O paciente foi levado a um hospital da zona leste, mas, no mesmo dia, morreu de broncopneumonia.
O caso não pode ser considerado exceção. A reportagem do R7 fez um levantamento com base em numerais de ordem do Samu, documentos que mostram o tempo exato de cada passo das equipes, e encontrou chamados que deveriam receber prioridade no atendimento, mas que demoraram até quatro horas para serem repassados às equipes de socorro.
Com dificuldades para respirar e dor no abdômen, um cadeirante de 73 anos pediu socorro às 12h36 de 24 de fevereiro, mas a ambulância só recebeu o chamado às 17h01. Uma mulher de 86 anos sofreu uma queda, chamou o Samu às 6h47 do dia 16 de março e o socorro chegou só uma hora depois. O serviço demorou uma hora para atender, em 4 de abril, um paciente de 61 anos com histórico de AVC (Acidente Vascular Cerebral) que convulsionava e, mais de uma hora e meia, para prestar os primeiros socorros a uma gestante com sangramento no dia 6 de abril.
A reportagem do R7 relatou esses casos à coordenação do Samu, mas, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, as informações "não são suficientes para determinar a classificação de prioridade". Entretanto, como explicou o coordenador do Samu, Paulo Kron, as ocorrências que envolvem coração, cérebro e traumas devem ser consideradas de urgência pelas equipes por causa do risco de morte. Quanto ao caso do morador de rua, o Samu afirmou que a ocorrência será apurada com rigor por uma comissão.
Atendimentos de emergência
O médico Augusto Scalabrini, professor de emergências clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), comentou o caso de Souza a pedido da reportagem.
- Se o estado de inconsciência foi motivado pela baixa quantidade de açúcar no organismo [hipoglicemia], então este caso deveria ser atendido em questão de minutos. Partindo desta hipótese, 1h40 para atender um paciente é muito.
De acordo com o coordenador do Samu, o atendimento de emergência tem apresentado melhoras significativas nos últimos quatro anos. Nesse período, o tempo médio para a chegada do socorro caiu de 35 minutos para 16 minutos.
- O número de ambulâncias aumentou de 63, em 2004, para 177, em 2009. Antes, eram 32 bases e, agora, já temos 65 [média de 2,8 ambulâncias por base].
Kron ainda afirma que, atualmente, a chamada mortalidade imediata, que corresponde às quatro primeiras horas após o atendimento, caiu 40% em relação a 2004. O morador de rua morreu duas horas após chegar ao Hospital Municipal Dr. Ignácio Proença de Gouvêa, na Mooca.
Funcionários do Samu ouvidos pelo R7 dizem que a demora na passagem do chamado, da central para as equipes, ocorre porque o número de ambulâncias ainda é insuficiente para atender às ocorrências da cidade. Como relata uma enfermeira, que prefere ser identificada por S., “muitas vezes sobram equipes e faltam veículos para o socorro".
- Na base onde trabalho, só tem uma ambulância funcionando e outras quatro, paradas. O Samu fala que comprou mais ambulâncias, mas boa parte delas está parada por falta de conserto adequado.
O coordenador do Samu argumenta que o número de ambulâncias quase triplicou nos últimos quatro anos.
Já para o motorista M., a demora no conserto das ambulâncias pela oficina contratada pela prefeitura, Agricol, e a peças “de segunda mão que a empresa coloca nos carros” contribui para que os carros fiquem fora das ruas.
A reportagem do R7 apurou nesta semana que 35 ambulâncias estavam paradas no pátio da Agricol - muitas delas há pelo um mês -, esperando conserto. O diretor comercial da empresa, Claudio da Silva, diz que são apenas 15 os veículos aguardando reparos e que eles chegaram há poucos dias.
Ainda segundo Silva, as peças colocadas nas ambulâncias são novas, mas ele admite que a má conservação dos veículos contribua para que o trabalho seja mais demorado.
- As ambulâncias do Samu são de 2004 e a secretaria [de Saúde] tem consciência que estão velhas. Nós já dissemos pra prefeitura que elas precisam estar mais novas para que o nosso pessoal tenha mais condições para trabalhar.
No último dia 14 deste mês, a Prefeitura de São Paulo publicou no Diário Oficial da cidade a renovação por ano do contrato com a Agricol, no valor de R$ 6,7 milhões.
Trancado no banheiro
O vídeo do R7 mostra o momento em que a equipe do Samu chega para atender Odair de Souza. Como diagnosticaram os enfermeiros que fizeram o socorro, ele tinha ferimentos no rosto e no peito, sofria de hipotermia e hipoglicemia (quando a temperatura e os níveis de açúcar caem abaixo do normal) e tinha dificuldades para respirar. A equipe presta os primeiros socorros e chega em 12 minutos em hospital na Mooca, às 8h08.
O morador de rua foi acolhido pela primeira vez no albergue no dia 18 de fevereiro e, desde então, foi levado duas vezes para o hospital por causa do diabetes. No dia 27 de fevereiro, momentos depois de se queixar de dores, um funcionário do albergue o encontrou caído no chão. O monitor resolveu dar um banho nele, mas, antes que isso acontecesse, Souza ficou inconsciente. A vítima foi então colocada em cima de um cobertor que estava no chão do banheiro e a porta foi trancada.
Duas horas após ter chegado ao hospital, Souza morreu de broncopneumonia, segundo sua certidão de óbito, e foi enterrado por familiares. A reportagem do R7 não conseguiu localizá-los até a publicação desta reportagem.
Ana Cláudia Arantes, médica especializada em cuidados paliativos do hospital Albert Einstein, chama atenção para a forma como o morador foi atendido pelo albergue antes de chegar o socorro.
- O paciente provavelmente já vinha sofrendo de broncopneumonia e, deixá-lo no chão de um banheiro por duas horas, é uma atitude irresponsável. Ele respirava com dificuldades e a falta de oxigênio no organismo pode fazer o cérebro pifar em questão de segundos.
O representante do Arsenal da Esperança, Gianfranco Mellino, afirma que o morador não foi agredido dentro do albergue e que Souza foi trancado no banheiro para evitar tumulto. Mellino não afirmou se o albergue procurou outra forma de socorrer o morador de rua, como ligar para os bombeiros, durante uma hora e 40 minutos que esperou o Samu chegar. A Secretaria Municipal de Assistência Social, que cuida dos albergues, não emitiu parecer sobre o caso.
No dia em que Souza foi socorrido, funcionários do Samu e representantes do albergue foram até o 8º DP, no Brás, para registrar o caso. A polícia abriu um inquérito para investigar as agressões ao morador de rua. Procurada pelo R7 nesta semana, a delegada responsável pelo caso, Maria José Figueiredo, desconhecia a morte de Souza.
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