quarta-feira, 6 de setembro de 2017

EM SALVADOR/BAHIA

Henrique Trindade

Fonte: Bahia Notícias
por Estela Marques | Fotos: Paulo Victor Nadal
Henrique Trindade
Fotos: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias
A concessão de transporte coletivo é alvo constante de críticas dos usuários e pode ser considerada desafiadora para a gestão municipal. Isso porque as empresas que ganharam a licitação para prestação do serviço estão inadimplentes há cerca de oito meses, seja por não pagarem a outorga que deveriam, seja por não cumprirem com a cláusula que obriga a renovação periódica da frota, seja por não terem ainda 100% dos ônibus dentro dos padrões de acessibilidade. "Conseguiram junto ao Ministério Público que fosse firmado um TAC, que vigeu de junho do ano passado até dezembro do ano passado. No período de sete meses a cobrança da outorga foi suspensa, no aguardo do estudo da revisão tarifária, que efetivamente foi feita, mas o fato é que esse TAC venceu desde janeiro. E eles continuam sem pagar. Tanto que nós acionamos de novo", explicou Henrique Trindade, presidente da Agência Reguladora e Fiscalizadora dos Serviços Públicos de Salvador (Arsal). Em entrevista ao Bahia Notícias, Trindade explica até onde a prefeitura é capaz de ir em relação às inadimplências dos três consórcios que prestam serviço de transporte aos soteropolitanos e dá detalhes da atuação da Arsal, entidade responsável por regular todas as concessões que forem estabelecidas pela prefeitura de Salvador. Confira a entrevista completa!

A Arsal foi criada há dez anos, mas apenas regulamentada há três. Queria que o senhor pudesse explicar para as pessoas: qual o papel prático da Arsal?
A Arsal foi criada em 2007, ainda no governo João Henrique pra ser uma agência reguladora de serviços de limpeza urbana. Fato é que isso nunca aconteceu; ela foi criada, mas nunca se efetivou. Agora, no governo de ACM Neto, a partir de 2013, ele ampliou o espectro da Arsal pra ser uma agência reguladora e fiscalizadora de serviços públicos. Então o que era apenas para limpeza urbana se tornou pra qualquer tipo de serviço que seja concedido, uma concessão pública. Nós só atuamos nas concessões públicas. Basicamente hoje o foco da Arsal é a concessão pública de transporte. Em 2013, com a mudança da função da Arsal e em seguida com o edital que ocorreu para exploração do serviço de transporte urbano, Salvador foi dividida em três bacias: uma no Subúrbio e Cidade Baixa, outra seria o miolo e a terceira, que é a borda de Salvador. E três SPEs [Sociedades de Propostas Específicas] ganharam o direito de explorar o serviço de transporte urbano por 25 anos. Então lá na Cidade Baixa e Subúrbio, foi o grupo Plataforma; no miolo, a OT Trans; e na borda de Salvador, o Consórcio Salvador Norte. A exploração foi por 25 anos, fizeram proposta pra explorar isso, num valor total de R$ 180 milhões. Eles pagaram R$ 20 milhões de sinal e parcelaram o valor da outorga durante 60 meses. Começaram a pagar, logo em seguida começaram a, segundo eles, apresentar dificuldades no cumprimento desse pagamento, apelaram para o Ministério Público e a gente vem discutindo isso intensamente junto ao MP, que eles entendem que o valor dessa outorga prejudica a composição tarifária deles. Então a Arsal regulamenta e fiscaliza o contrato, já que a fiscalização de ponta permanece com a secretaria-fim, que é a Secretaria de Mobilidade, com o secretário Fábio Motta. Recebemos relatórios e informações e em cima desses relatórios gerenciamos o cumprimento do contrato. Além disso, nós somos responsáveis pela tarifa. No ano passado, a tarifa saiu de R$ 3,30 pra R$ 3,60 por conta de uma revisão tarifária que a Arsal, que era responsável. Contratamos uma empresa, a Deloitte, para fazer esse estudo. Hoje, basicamente, nosso foco é transporte.


Mas continua atuando em outros setores?
Todo o setor para que possamos atuar depende de um decreto prévio do prefeito. Como ela foi criada pra ser agência reguladora e fiscalizadora de limpeza urbana, na origem ela já tem essa autorização de atuar na limpeza urbana. Ocorre que hoje o serviço de limpeza urbana ainda é feito via terceirização, então não é uma concessão. Tinha-se a previsão dese transformar nisso, o que não ocorreu. Enquanto não ocorrer a transformação de terceirização para concessão, a Arsal não interfere diretamente. 


O senhor falou sobre os ônibus… No começo de agosto, quando foi anunciada a integração, o secretário Fábio Motta falou que existe um problema com as concessionárias porque elas têm descumprido algumas cláusulas do contrato, como a renovação da frota. Como está esse processo? Já há alguma previsão para as empresas respeitarem esse item do contrato?
Existe um cronograma no momento que foi feito o contrato. Elas começaram a operar a partir de 22 de abril de 2015. Elas assinaram o contrato em outubro de 2014, tiveram seis meses para se adequar, e a operação em si começou em 22 de abril de 2015. A partir daí tinha um cronograma de adequação da frota. Tínhamos uma frota com uma idade média de 8 a 9 anos, e tínhamos a previsão de chegar a média de 3 anos e meio, isso de forma gradativa. No primeiro momento, de fato, eles fizeram uma série de renovações, mas hoje não estão cumprindo como deveria esse cronograma. Por conta disso, inclusive, a Arsal já autuou, abriu processo administrativo e está discutindo isso. A gente precisava que apresentassem cronograma que eles efetivamente consigam cumprir para que haja essa renovação. Agora eles alegam que o que antes conseguiam com subsidiados através de operações de crédito, com apoio do governo federal que não têm mais, hoje com o custo do ônibus pra eles é muito expressivo. Quando faz composição de tarifa e joga esse custo, a tarifa teria que ser elevada. Enfim, tudo passa por uma discussão de tarifa.


O prazo para eles apresentarem um cronograma de renovação da frota continua sendo dezembro deste ano?
Na verdade, eles já descumpriram o contrato… Já eram pra ter renovado x% da frota e renovaram x-1, então já existe inadimplência nessa renovação de frota. E por conta disso já foram autuados pela Arsal. Eles estão pedindo renovação do prazo, mas isso ainda não se estabeleceu - mesmo que se estabeleça, o descumprimento já ocorreu.


E agora, o que acontece?
Eles são autuados, multados, se mantiverem nessa reincidência, a multa vai aumentando. A gente força a situação por conta da multa, que vai sendo reincidida a ponto de eles terem a efetiva preocupação de solucionar a demanda, pra não terem que pagar multa sobre multa.


Não existe a possibilidade de rescindir o contrato, uma nova licitação de concessão? 
Esse seria um aspecto, a renovação da frota, mas não é só esse aspecto. Existem inúmeros outros aspectos que envolvem, a começar pela suspensão do pagamento da outorga, eles teriam que estar pagando a outorga. Conseguiram junto ao Ministério Público que fosse firmado um TAC, que vigeu de junho do ano passado até dezembro do ano passado. No período de sete meses a cobrança da outorga foi suspensa, no aguardo do estudo da revisão tarifária, que efetivamente foi feita, mas o fato é que esse TAC venceu desde janeiro. E eles continuam sem pagar. Tanto que nós acionamos de novo. A Arsal tem sido muito incisiva na cobrança das multas previstas no contrato; a Arsal tem posição para que eles façam valer o que está previsto no contrato: renovação de frota, acessibilidade. Todos os aspectos que há algum tipo de inadimplência, seja pela qualidade de serviço, seja pelas questões pecuniárias, a Arsal tem autuado. A acessibilidade, inclusive, tem legislação federal que desde 2004 foi dado prazo de dez anos pra que todos os ônibus fossem adaptados pra ter acessibilidade, então esse prazo acabou em 2014. É verdade que eles fizeram na grande maioria dos ônibus, diria que menos de 10% ainda não têm aquele elevadorzinho para cadeirantes na porta do meio, que ainda existe essa deficiência. Mas alguma parte não foi renovada e por essa parte, menor que seja, gera multa contratual. Eles podem alegar que fizeram o TAC, ok, mas o TAC vigeu de junho do ano passado a dezembro do ano passado. Está sendo conversado com o Ministério Público e existe a possibilidade de fazer novo TAC, dando novo prazo para que retome o pagamento tanto da outorga quanto apresentem projeto de renovação da frota.


Se esse novo TAC não for cumprido, o que vai acontecer?
Você fez a provocação, em última análise há um rescisão de contrato. É o último dos casos, porque você imaginar que Salvador tem em torno de 2,5 mil ônibus rodando, se uma dessas concessionárias por acaso sair do sistema, 800 ônibus deixariam de circular em Salvador. Isso não é uma questão simples, não é questão de que um outro operador consiga entrar em Salvador da noite pro dia. Acionar a ponto de rescindir teria que ter uma intervenção da prefeitura, que também não é recomendável, e em última análise um novo operador. Para um novo operador, poderia fazer contrato emergencial, que também não é ideal, ou uma nova licitação. É uma operação de difícil solução.


Agora a gente tem a integração do ônibus com o metrô. O prefeito concordou com a proposta do governo do estado, mas no dia do anúncio ele ponderou que ainda seriam feitos estudos para organizar melhor essa distribuição. Como está esse processo?
Hoje, do valor de R$ 3,60, R$ 1,42 é repassado para o sistema de transporte. Os empresários de ônibus entendem que isso não é suficiente para remunerá-los e têm pedido revisão desse valor de R$ 1,42, que na origem era R$ 1,40, mas com a correção ficou R$ 1,42. Sinceramente eu não vejo mobilidade do estado para elevar esse valor, não. Acho que vai ser muito difícil que o estado admita aumentar esse valor de R$ 1,42. E está havendo readequação das linhas, uma pessoa que pegava uma linha e demorava 40, 50 minutos naquele trajeto hoje está sendo redimensionado, pra que a pessoa possa usufruir do metrô. É uma alternativa pra tentar viabilizar o sistema de ônibus. Pela tarifa, não tem previsão nenhuma. Na verdade, a previsão de aumento é anual, no contrato, porque também não pode passar o ano inteiro com inflação, revisão de custo, sem dar o repasse para os operadores do sistema. É importante que se diga que Salvador não coloca um centavo de subsídio. Salvador está entre a 10ª capital em valor de tarifa, muitas das capitais colocam dinheiro público no transporte, Salvador não coloca. É uma conta que não é fácil de fechar, porque os R$ 3,60 têm que vir do sistema, os empresários alegam que quando eles assinaram o contrato em 2014 tinham a demanda de passageiro em torno de 28 milhões - porque tem passageiros que usufrem é 33 milhões ou 34 milhões, mas o pagante são 28 milhões, o número que tomamos como base, porque estudante paga meia, idoso não paga, então quando você converte quem pagou efetivamente, foram 28 milhões. Todo cálculo de revisão [de tarifa] é feito sobre o número de passageiros equivalentes, porque o contrato diz isso, que aquela é a base de cálculo e o risco da demanda é do empresário. Ou seja, se passar pra 30 milhões, ótimo para o empresário; se passar pra 24 milhões, paciência. É essa a discussão, porque o empresariado diz que não existe mais 28 milhões de passageiros por mês; eles estão falando de 23 milhões, 24 milhões. Quando você faz pra um cenário de 23 milhões de passageiros equivalente, a tarifa não seria R$ 3,60, seria mais. Mas nós calculamos sobre o que está previsto no contrato, mas eles alegam que estão acumulando prejuízo muito grande nesse período e ameaçam até passar para terceiros e tal, qualquer um que
assuma o passivo.


Em relação a esses R$ 1,42, o senhor acha que é suficiente para os empresários ou poderia ser um pouco mais?
Pelos cálculos que eles apresentam deveria ser um pouco mais, sim. Diria que deveria chegar a R$ 1,60 ou R$ 1,80, pelos estudos deles. Agora estado e município pararam pra fazer esse estudo. Os empresários têm a maior pressa do mundo, mas isso vem se protelando. Estamos na mesa com estado há seis meses e nada aconteceu de concreto, mas existem sugestões, mas de concreto ainda nada. O estado sugeriu reduzir ICMS sobre combustível, mas nada efetivamente sobre isso. 


O senhor falou que a Arsal atua sobre concessões. A prefeitura deve fazer uma parceria público-privada no Hospital Municipal. Muda alguma coisa na fiscalização?
Sendo uma concessão, e tudo indica que será, passará também pelo crivo da Arsal. 


Como vai ser essa fiscalização? É um modo diferente de fazer por ser uma instituição de saúde?
Com certeza não será mais complicada do que a de transporte. Pra você ter ideia, o transporte são 25 anos e o faturamento estimado à época era de quase R$ 1 bilhão. O maior contrato de concessão de Salvador sem dúvida nenhuma é o de transporte. A concessão, se ocorrer, temos já alguns estudos e está sendo avaliado o modelo do estado no Hospital do Subúrbio, tudo está sendo estudado, mas não tem nada ainda efetivado. Acredito que no primeiro trimestre do ano que vem já tenha alguma coisa mais segura. 


Salvador não participa da Entidade Metropolitana. O senhor acredita que existe perspectiva de mudança em relação a isso ou vai continuar como está?
Acho que tem que se respeitar a autonomia municipal quando você fala de transporte.Transporte em Salvador cabe à prefeitura municipal de Salvador, não cabe intervenção externa, como às vezes o governo do estado entende. “Não, porque o ônibus que sai de Camaçari vai até a Estação da Lapa”, não deve ir. Nas grandes capitais você normalmente tem um ponto, no caso aqui, Mussurunga. Se viesse pela estrada, pararia em Pirajá. Teria que ter entroncamento, mesmo que tivesse passagem de integração. O cara sai de Camaçari, paga X, chega em Pirajá, faz o transbordo e pega ônibus da região metropolitana. Tem que haver um respeito à autonomia, em todos os aspectos. No caso do transporte, da água, do esgoto. Tem captação na Pedra do Cavalo que pode ser comum a todos, mas quando entra no território daquele município, a partir dali a autonomia indiscutivelmente é do município.


Então Salvador continua fora da entidade?!
No formato atual como governo quer impor, não vejo como ser diferente. É uma decisão evidentemente do prefeito, mas não vejo como ser diferente. 


Não dá pra não falar sobre isso. O senhor é irmão do vereador José Trindade (PSL), que é líder da oposição na Câmara, e ele constantemente critica a oferta de serviços públicos na capital. O senhor acha que a Arsal está atuando de maneira incompleta, talvez, para ser motivo de críticas?
Não, não houve crítica à Arsal. Em algum momento na Câmara ele fez provocação, fui convocado pelo vereador Aleluia e Duda Sanches para comparecer e fazer esclarecimentos sobre transporte. Imediatamente eu compareci e participaram 10 vereadores - o vereador José Trindade não participou, em que pese ele tenha feito a provocação. Acho que atendi a todos os questionamentos, inclusive quem participou da reunião foi o vereador Hélio, que é presidente do Sindicato dos Rodoviários, Hélio Ferreira, e tudo foi esclarecido. Não o vi falando especificamente da Arsal. Ele fala de uma série de aspectos da prefeitura, que é o papel dele como líder da oposição. É salutar na democracia que haja divergência. O fato de ser meu irmão não muda nada. Dia de domingo em casa, nós somos irmãos e não se trata de política.

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