segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Cala-te, boca!


GRATA SURPRESA saber de descobertas de pesquisadores do Instituto de Letras (IL) da UFBA que, de 20 a 21 deste outubro, organizam o seminário “Vozes do Teatro em Tempos de Ditadura Militar” [clique para saber].
Identificaram em arquivos nacionais e locais, e estão resgatando, textos da adolescência e juventude deste escrevinhador montados sob a ditadura.
E mesmo em 1987, quando os militares já tinham devolvido o poder aos civis no Brasil. Mas a censura à liberdade de expressão e opinião continuava.

(Parêntesis: Será que não continua? Este espaço de debates sofre o escrutínio das viúvas daquele período, hoje travestidas de “pessoas do bem”. E um poderoso empresário-polítiqueiro-comunicador já tentou retirá-lo do ar [clique para ler]).

Soube pelas pesquisadoras do quanto sabem mais sobre o destino do que produzi em textos dramatúrgicos naqueles anos de chumbo do que eu mesmo me dava conta.

Trata-se da continuidade de pesquisa ampla coordenada pela professora Rosa Borges dos Santos, que trata da “Filologia em diálogo com a Literatura, a História e o Teatro”. Os primeiros resultados já constam do livro Edição e estudo de textos teatrais censurados na Bahia (Edufba, 2012).
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O seminário de agora é parte de pesquisa específica, tendo à frente a professora Isabela Almeida, da equipe de estudos filológicos do IL.

Versa sobre textos teatrais censurados de autores que vieram se tornar membros da comunidade docente da Universidade Federal da Bahia. No contexto de edital de pesquisa que resgata aspectos da influência da ditadura (1964-1985) dentro dessa instituição de ensino. (Fui também contemplado, de minha parte, com um projeto no mesmo edital).

Assim este escrevinhador, que jamais no período de produção e montagem daqueles textos havia pensado assumir funções docentes na exclusivista UFBA, foi identificado pelos pesquisadores e passou a integrar a lista de convidados do seminário.

Ocorre que nas datas do evento estarei em atividade acadêmica em país da África. Os organizadores resolveram manter a participação deste autor e agendaram a gravação de um depoimento em video a ser exibido na programação, o que se deu semana passada.

Enquanto preparavam o ambiente e os equipamentos da filmagem, em gabinete montado com a biblioteca doada ao IL pelo falecido Nilton Vasco da Gama, as professoras Rosa (discípula dele) e Isabela (seguidora) trataram de ativar minha memória.

Sim, na luta contra a ditadura militar e, acrescente-se como fundamental, de resistência à sua extirpação, a empobrecida, maltratada mas bem organizada comunidade do Calabar – inscrustrada em cobiçado espaço imobiliário nobre da capital baiana – experimentou e praticou diversas linguagens artísticas.

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Jovens atores do Grupo de Teatro do Calabar, formado por moradores e simpatizantes, em montagem no Teatro do ICBA em 1985 da sátira “A Peleja do Povo com o Dr. Coração”.

O teatro foi uma das ferramamentas de mobilização e organização comunitária, resultando na criação, pelos próprios moradores, do Grupo de Teatro do Calabar. Que logo se destacaria no cenário teatral de Salvador, entre os grupos amadores que proliferavam nos bairros.

Dia 11 Vá à Passeata (1982), A Peleja do Povo Com o Dr. Coração (1984), A Negra Resistência (1985), todas censuradas, são algumas das peças montadas a partir de uma ideia textual autoral trabalhada por todos os integrantes do grupo, de crianças a idosos, nos movimentados ensaios até à encenação.
Contudo, a equipe de pesquisadores do IL-UFBA puxaram ainda mais os fios da verdadeira arqueologia (filologia) de descoberta dos textos censurados.
Deste escrevinhador encontraram um texto montado em 1979 (sic!)no Teatro do ICBA (Goethe Institut) do Corredor da Vitória, ainda quando secundarista. Esse um dado surpreendente, já que dele não mais me dava conta nem sabia onde achar.

Pois informaram que localizaram-no, com as devidas rasuras dos censores, no Arquivo Nacional, em Brasília. Trata-se de O Grito do Poeta, encenado no contexto da “Semana Experimental de Arte”.
Com as professoras Rosa
Com as professoras Rosa Borges dos Santos (livro em mãos) 
e Isabela Almeida, durante gravação para o seminário do Instituto de Letras

Na qual um grupo de protótipos de artistas ecléticos, todos adolescentes, não apenas do Calabar mas das circunvizinhanças da classe média e seus amigos, anunciavam a ruptura com o dogma cultural da geração passada – das artes plásticas à musica, à literatura.

O ICBA e alguns suplementos culturais de jornais de Salvador acolheram a brincadeira, séria para os envolvidos, e o referido “Grito do Poeta”, que foi concebido por este escrevinhador para ser declamado, encaixou-se na proposta do grupo como peça teatral.

Quando tiver tempo direi mais sobre o assunto.

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