A Festa da Irmandade Boa Morte
Revestida de mistérios, entre muitos, a cidade
histórica da Cachoeira tem na secular Irmandade da Boa Morte, a sua maior
expressão de fé no culto aos orixás. Senhoras, que integram a linhagem da
ancestralidade africana, guardam a
cultura e fé do seu povo, sem quaisquer alterações, com que se qualificaram
para integrar o quadro da mais famosa Irmandade do território nacional – a
Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte.
Embora cerimônias antecedam e sucedam os dias de maior
movimentação, as datas de 13,14 e 15 de agosto de cada ano são destinados a
solenidades públicas com as quais as irmãs prestam culto a Nossa Senhora,
trajando indumentárias apropriadas a cada formalidade, como luto, na morte;
vestes que retratam tristeza, no velório, e vestimentas com cores que expressam
alegria, na ressurreição.
A historiografia dessas notáveis mulheres cachoeiranas
continua a desafiar a inteligência de jovens pesquisadores. Seus rituais
secretos ligados ao culto dos orixás também estão a requerer leitura
etnográfica que respeite, naturalmente, os limites à manutenção dos segredos,
tão importantes na preservação dessa
vertente religiosa. O que tem ressaltado é o aspecto externo do culto
referido quase todo
ao simbolismo católico e a sua
apropriação afro-brasileira. Durante o começo do mês de agosto, uma longa
programação pública atrai a Cachoeira gente de todos os lugares, no que Moraes
Ribeiro, pesquisador e iniciado no culto aos orixás, considera o mais
representativo documento vivo da religiosidade brasileira, barroca,
ibero-africana. Ceias, cortejos, missas, procissões, samba-de-roda colocam
cerca de 30 remanescentes da Irmandade, que já possuiu mais de 200 membros, no
centro dos acontecimentos da cidade
histórica da Cachoeira, e, ultimamente, nos principais órgãos noticiosos da
capital e tele-jornais de alcance nacional e internacional.
A festa
propriamente dita tem um calendário que inclui a confissão dos membros na
Igreja Matriz, cortejo representando o falecimento de Nossa Senhora, sentinela,
seguida de ceia branca, composta de pão, vinhos e frutos do mar,
obedecendo a costumes religiosos que interditam o acesso a dendê e carne na
sexta-feira, dia dedicado a Oxalá, criador do Universo, e procissão do enterro
de Nossa Senhora da Boa Morte, onde as irmãs usam trajes de gala. A celebração
da assunção de Nossa Senhora da Glória aos céus, seguida de procissão, em missa
realizada em seu Templo, na sede da Irmandade, dá curso à contagiante alegria
dos cachoeiranos, turistas nacionais e
estrangeiros, os quais, inseparavelmente unidos, irrompem em plenitude, nas
cores, comida e bastante música e dança que se prolongam por diversos dias, que
sucedem à procissão da glória.
Antes, sem sede, sem divulgação, a Festa da Boa Morte
se limitava, a ações religiosas de simples expressão. No final da administração
do saudoso ex-prefeito Geraldo Simões, o Prof. Pedro Borges, amigo pessoal das
saudosas Irmãs Estelita, juíza perpétua; de Ernestina e Anália da Paz, com as
quais pode se informar com maior profundidade sobre o culto da Boa Morte aos
orixás, produziu em língua Inglesa amplo documento expondo a declaração de
princípios da Irmandade, e sua estrutura, e, procedeu à sua divulgação em agências
de viagens em New York e Washington DC,
e pôde fazer oficialmente, tendo em vista que no período era o titular
do Departamento Municipal de Cultura de Turismo da Cachoeira, (atual secretaria
de Turismo e Cultura). A partir da referida divulgação, estudiosos, acadêmicos,
turistas nacionais e estrangeiros, notadamente, norte-americanos, procedentes
da Georgia e de Washington, a capital dos Estados Unidos, visitam a cidade e
participam ativamente da Festa da Boa Morte, lotando hotéis e pousadas, durante
todo o período das solenidades. Nos meses que antecedem à secular Festa,
turistas, principalmente, dos Estados Unidos, costumam vir à Cachoeira para
conhecer mais de perto a Irmandade da Boa Morte. Foi assim que no período em que era comandada
pelas saudosas irmãs mencionadas, a Irmandade da Boa Morte recebeu oficialmente
visitas de destacados membros da sociedade norte-americana, a exemplo da
advogada DeLois Steveson, de Washington D.C.; da pastora evangélica Barbara
King, da Geórgia; e de tantos outros acadêmicos, interessados na preservação da
cultura e da fé de seus ancestrais, no
modelo autêntico instruído e preservado pela Irmandade da Boa Morte. Fizeram doações de monta considerável,
influenciaram para que o governo do Estado destinasse recursos para compra,
restauração e requalificação do conjunto de imóveis, hoje, a sede da Irmandade.
Patrocinadas integralmente pela pastora Barbara King, as saudosas irmãs Analia
da Paz e Ernestina foram aos Estados Unidos com o objetivo de ministrarem
técnicas de confecção de indumentárias e da culinária afro, numa comunidade da
Georgia liderada pela mencionada pastora.
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