Coluna
Liberdade Vigiada
Por Walter César Silva
Filhos do sofrimento
Bete acorda todos os dias 04h15min
da manhã, com fome, com sede, com pressa e muitos filhos pra criar. Os pais
dos seus filhos lhe abandonaram pra sempre.
Romeu foi o primeiro dos
seus homens, foi quem inicialmente apresentou-lhe as desilusões dos amores
virgens. Pobre Romeu! Morreu cedo, mais uma vítima de uma bala perdida. Deixou
Bete muito jovem, aos 14 anos, desamparada, viúva e grávida! Logo cedo ela
começa a descobrir quão dura e vil a sua realidade será.
Ao fazer 18 anos, ela conhece
o seu segundo homem, o trabalhador e humilde Jacó. Um homem bom e justo,
agricultor de herança, sem posses nem caneta.
Jacó lhe deu mais cinco filhos pobres e franzinos como ele. Juntos na
labuta diária, sustentam com muito esforço os seus seis filhos, o mais velho do
primeiro casamento dela e os seus cinco, que eles próprios fizeram.
Com toda dificuldade, dia a
dia, dão o maior duro pra botar a “farinha” na mesa. Eles não têm luz elétrica, água encanada nem
nada! Pra buscar água, eles andam 10km
por dia.
Certa vez, de uma hora pra
outra e sem nenhum aviso, Jacó morreu de ataque do coração, com uma enxada nas
mãos e os pés rachados como o chão do sertão. Deixou Bete aos 30 anos, sem
nada, apenas seis filhos pra tentar terminar de criar. E a vida segue em
frente.
Dois anos depois, e com seus
quatro filhos, pois dois morreram de pobreza, ela infelizmente conhece seu
derradeiro homem, Tadeu. E como se fosse um excesso de azar ou muita falta de sorte,
esse último era alcoólatra. Talvez por sua ingenuidade, carência ou
necessidade, ela nunca soube escolher seus companheiros. Bete apanhava quase todos os dias de Tadeu e
segue omissa e com medo. Depois de um tempo ela engravida dele e dá a luz a seu
último filho, que no total foram sete.
Bete morreu aos 35 anos de câncer,
e além de cega era negra. Nunca conheceu
seus pais nem a família. A felicidade nunca bateu a sua porta. Deixou os filhos
pro mundo terminar de criar e uma herança de luta, desrespeito e sofrimento.
Ela era mais uma filha do
nosso Brasil. Um país bonito, mas cheio de diferenças, desigualdades e falta de
oportunidades. De seu país nada colheu nem foi acolhida por ele!
Morreu mais uma filha do sofrimento e foi
enterrada como indigente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário