sábado, 4 de abril de 2015

Coluna
Liberdade Vigiada
Por Walter César Silva
Filhos do sofrimento

Bete acorda todos os dias 04h15min da manhã, com fome,  com sede,  com pressa e muitos filhos pra criar. Os pais dos seus filhos lhe abandonaram pra sempre.

Romeu foi o primeiro dos seus homens, foi quem inicialmente apresentou-lhe as desilusões dos amores virgens. Pobre Romeu! Morreu cedo, mais uma vítima de uma bala perdida. Deixou Bete muito jovem, aos 14 anos, desamparada, viúva e grávida! Logo cedo ela começa a descobrir quão dura e vil a sua realidade será.

Ao fazer 18 anos, ela conhece o seu segundo homem, o trabalhador e humilde Jacó. Um homem bom e justo, agricultor de herança, sem posses nem caneta.  Jacó lhe deu mais cinco filhos pobres e franzinos como ele. Juntos na labuta diária, sustentam com muito esforço os seus seis filhos, o mais velho do primeiro casamento dela e os seus cinco, que eles próprios fizeram.

Com toda dificuldade, dia a dia, dão o maior duro pra botar a “farinha” na mesa.  Eles não têm luz elétrica, água encanada nem nada! Pra buscar água, eles andam 10km  por dia.

Certa vez, de uma hora pra outra e sem nenhum aviso, Jacó morreu de ataque do coração, com uma enxada nas mãos e os pés rachados como o chão do sertão. Deixou Bete aos 30 anos, sem nada, apenas seis filhos pra tentar terminar de criar. E a vida segue em frente.

Dois anos depois, e com seus quatro filhos, pois dois morreram de pobreza, ela infelizmente conhece seu derradeiro homem, Tadeu. E como se fosse um excesso de azar ou muita falta de sorte, esse último era alcoólatra. Talvez por sua ingenuidade, carência ou necessidade, ela nunca soube escolher seus companheiros.  Bete apanhava quase todos os dias de Tadeu e segue omissa e com medo. Depois de um tempo ela engravida dele e dá a luz a seu último filho, que no total foram sete.

Bete morreu aos 35 anos de câncer, e além de cega era negra.  Nunca conheceu seus pais nem a família. A felicidade nunca bateu a sua porta. Deixou os filhos pro mundo terminar de criar e uma herança de luta, desrespeito e sofrimento.

Ela era mais uma filha do nosso Brasil. Um país bonito, mas cheio de diferenças, desigualdades e falta de oportunidades. De seu país nada colheu nem foi acolhida por ele!

 Morreu mais uma filha do sofrimento e foi enterrada como indigente.

*Walter César Silva é professor de Matemática e redator de crônicas.


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