quinta-feira, 31 de julho de 2014

EM CACHOEIRA/BA: PERSONALIDADE EM DESTAQUE

Heraque dos Santos, sacerdote do Candomblé

Tendo   toda   a   sua   vida  e  fé  dedicadas  às cerimônias do culto afro na modalidade Candomblé, herança  de  seus  antepassados, Heraque dos Santos é uma das mais fortes referências na cidade da  Cachoeira  no  segmento   religioso  de  matriz africana. Nascido no dia 12 de outubro de 1931,  aos  78  anos, Heraque dos  Santos  afirma  que  inicialmente foi vítima de sucessivos sofrimentos  por não acolher e seguir a Oxalá, o orixá  guia espiritual dono de sua cabeça. O orixá que se relaciona com  o  seu  destino  é   uma   herança  que  procede  do   seu  avô,   da  linhagem da sua ancestralidade.  Anos     mais  tarde,  depois  de  morar  e   trabalhar  em  outras  cidades,  retornou   à  Cachoeira, consciente    e  decidido   a    estabelecer-se    com    Casa    de   Santo   consagrada   ao  culto   do Candomblé, onde foram cumpridas as cerimônias com fiel obediência às instruções de Oxalá e de outros orixás. Atualmente, Heraque operacionaliza trabalhos espirituais na mesma linha de inspiração, independente das pompas que incluem foguetes, champanhe, whiskey, sem ônus para quantos o buscam. Heráclito cita líderes do culto afro que muito o ajudaram a alcançar perfeição na execução das obrigações do Candomblé, a exemplo dos babalorixás  Bobosa e Benardino, ambos reconhecidos  mestres  no cerimonial do culto aos deuses das religiões de matrizes africanas. 

Conhecedor com pleno domínio da ritualística pertinente ao culto do Candomblé, Heraque menciona terreiros da Cachoeira que cumpriam e seguiam os rituais com absoluta fidelidade e conhecimento do cerimonial. Os  primeiros e mais influentes que conheceu  na Cidade Histórica e Monumento Nacional, fazendo menção honrosa ao Ylê de Gil de Caboclo, no Cucuí e do Ylê do saudoso babalorishá Calixto e o Terreiro da Yalorisha Arminda, no fundo da Igreja de São Cosme e São Damião. O bairro do Cucuí foi e ainda é, devido as suas características, um quilombo urbano da ancestralidade africana, afirma Heraque. Ali viveram e trabalharam em terreiros, verdadeiros zeladores de orixás. Heraque afirma que também conheceu, além de candomblecistas, babalorishás, yalorishás, os tipos pendoqueiros  e feiticeiros, figuras que, na sua visão, não mais existem em Cachoeira. Rememorando trabalhos de pendoqueiros e feiticeiros que conheceu e teve intimidade, estabelecidos em Cachoeira, Heraque cita os feiticeiros Renato Congo do Ouro e Felexu, personalidades de extrema gravidade, portadores de posturas  reconhecidamente perigosas no domínio das forças astrais e da baixa espiritualidade. Felexu fez da própria mãe cobaia, em seus treinamentos para tornar-se feiticeiro. Conta-se que ele pôs um Exu na ponta de um charuto e dera a sua mãe para fumar e velha se acabou poucos dias depois. Além dos citados, conquistaram fama em Cachoeira, os feiticeiros Manezinho Pele e Osso, Domingo do Fato, Artur Cu de Touro, Sinhá Paulina, todos especialistas em feitiços, os quais conquistaram destacada estabilidade financeira e patrimônio, devido ao grande números de clientes ricos, principalmente políticos que vinham inclusive de outros estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, para trabalhos desta natureza.

Entre as personalidades do candomblé em Cachoeira, Heraque ainda cita Gerônimo, na Terra Vermelha, Zé do Vapor, sucedido por Sérgio Corcunda e Candola, já falecido. Com instruções do babalorishá Nezinho, de Muritiba, foi instalado em Cachoeira, o autêntico Terreiro da  Yalorishá Baratinha, de saudosa memória. Ele também teve forte influência nas instalações do candomblé da nação Gêge da Roça de Ventura, instruindo que o mesmo pai de santo não  pode ter duas casas de candomblé na mesma cidade. Heraque mostra completo domínio da movimentação e estrutura dos terreiros instalados em Cachoeira e menciona que a Casa de Santo da saudosa Gaiaku Luiza é da nação Gêge Maué e que a Roça de Ventura reveste-se de poder que lhe garante a eternidade. Nada nem ninguém tem o poder de interromper a Casa de Ventura. Inúmeros pais e mães de santo vêm de São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, para se instruírem e aprenderem mais na referida Casa. Revela que em muitos terreiros em outros estados, “Bambogira” é “santo”  aqui em Cachoeira, em todos os terreiros comprometidos com a verdade dos orixás “Bambogira” é “escravo”. Respondendo a curiosidade do Repórter, se existe ainda em Cachoeira  Casa em  que se possa confiar a realização de trabalhos como se fazia antigamente, Heraque mencionou apenas que no passado o Ylê do saudoso babalorishá Justo, na Ladeira da Cadeia era o de maior poder na execução de trabalhos, isto é, os orixás obedeciam fielmente a executar tudo o que lhes fosse mandado. Hoje, Heraque prefere não se pronunciar quanto às forças que assistem e operam nos terreiros. Acrescenta que não se pode fazer obrigações do jeito que se quer. Há um cerimonial de compromisso com a ancestralidade e os orixás. O cerimonial mais difícil e o da nação Gêge. O recolhimento durava 1 ano e 2 meses no erê de grau, hoje, ninguém mais recolhe o iniciando numa Casa de Santo nem por 1 ano. Não se tem mais fidelidade aos princípios fundamentais da ritualística como nos tempos anteriores. Daí, muitos trabalhos e obrigações em diversos terreiros perderem a eficácia, o poder da materialidade do que se busca.

Perguntado se ele é Pai de Santo, Heraque responde que tem Pai de Santo, o babalorishá João Rôrô, do Capoeiruçu. “Ele me ensinou o que eu faltava aprender. Faço minhas obrigações dentro de minha própria casa – A Tenda dos Milagres”. Para concluir, a Reportagem de O Guarany buscou saber se ele conheceu algum feiticeiro em Cachoeira cujos trabalhos encomendados mataram desafetos que perseguiam gente inocente, humilhavam cidadãs e cidadãos.  Garantiu que além dos mencionados, havia na comunidade da Cachoeira, Seu Bispo, conhecido feiticeiro, vizinho do zelador de santo Bobosa, que se tornou famoso pelos resultados fatais de seus despachos, levando suas vítimas a óbito. Hoje, quem sentir no coração procurar “Casa” para encomendar trabalho desta natureza, Heraque aconselha que o melhor mesmo é ter fé em Deus e nos seus anjos da guarda, para ter uma vida equilibrada e digna.

À vista do equilíbrio e a facilidade com que expressa conhecimento e pleno domínio do cerimonial da fé de seus ancestrais africanos, Heraque dos Santos é, de fato, Personalidade em Destaque.

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