Idiomas de palestinos e Israel se mesclam no 'arabraico'
O amplo intercâmbio entre o hebraico, idioma dos judeus
israelenses, e o árabe falado por palestinos tem criado um novo dialeto,
apesar do conflito entre os dois povos, diz um livro recém-publicado em
Israel.
Walla Beseder, de autoria de Abd Al-Rahman Mar'i,
professor de Literatura hebraica da Faculdade Beit Berl, ao norte de Tel
Aviv, traz um léxico com milhares de palavras hebraicas que foram
integradas ao árabe falado pelos palestinos cidadãos de Israel.
Em entrevista à BBC Brasil, Mar'i disse que a influência entre os
dois idiomas é "recíproca". Porém, como o hebraico é a língua hegemônica
em Israel, seu impacto sobre o árabe falado é bem maior.
"Podemos mencionar milhares de palavras hebraicas integradas ao árabe
e centenas de palavras árabes integradas ao hebraico", disse o
professor.
Em seu livro, o professor analisa esse fenômeno linguístico e
cultural. O próprio título da obra é uma expressão idiomática
amplamente utilizada tanto por judeus como por árabes, e que inclui uma
palavra em árabe (walla – "de verdade", em tradução livre) e outra em hebraico (beseder – que significa "tudo bem").
Comunicação
Palavras relacionadas a tecnologia, medicina, economia e burocracia
são diretamente integradas ao árabe falado pelos palestinos de Israel.
"Os médicos árabes estudam e trabalham em instituições israelenses
nas quais a língua utilizada é o hebraico. Quando voltam para suas
cidades usam os termos hebraicos na comunicação com os pacientes e assim
essas palavras rapidamente são integradas na língua falada", disse o
professor. O mesmo acontece em todas as instituições públicas, nas quais
a língua oficial é hebraico.
"Outro setor do público árabe fortemente influenciado pela língua
hebraica é composto pelos acadêmicos. Estudantes árabes frequentam as
universidades israelenses, em hebraico, e passam a integrar muitos dos
termos que aprendem na linguagem falada no dia a dia", explica o
professor. "Vale lembrar que no árabe temos de fato duas línguas – o
árabe falado e o árabe literário – muito diferentes. Quando falamos de
integração e do 'arabraico' nos referimos ao árabe falado e não ao
literário."
Minoria
Cerca de 20% dos cidadãos israelenses são árabes palestinos e,
segundo Mar'i, "como minoria, para viver em Israel os árabes precisam
saber hebraico". Mas os árabes nem sempre foram minoria na região onde
hoje existe o Estado de Israel. Para o professor de língua árabe Ali
Al-Azhari, até a fundação de Israel, em 1948, a influência do árabe
sobre o hebraico era bem mais intensa.
"Antes da Nakba, a direção da influência entre as duas línguas era
inversa. Durante o longo período em que os judeus eram minoria na
Palestina eles absorveram não só a língua como também os costumes e a
cultura árabes, então hegemônicos na região", disse Al-Azhari à BBC
Brasil. "Naquela época, as fronteiras com todos os países árabes no
Oriente Médio ainda estavam abertas e havia aqui uma livre circulação de
egípcios, iraquianos, sírios e libaneses", afirmou. "Naquelas
circunstâncias, os membros da comunidade judaica na Palestina se sentiam
minoria e tinham que absorver a língua local para viver seu dia a dia."
Os palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza também foram
fortemente influenciados pela língua hebraica. Até o início dos anos
1990, a maioria dos palestinos dos territórios ocupados na Guerra de
1967 trabalhava em Israel e aprendeu o hebraico.
No entanto, com a escalada da violência na região, Israel fechou as
fronteiras e hoje em dia apenas uma minoria dos palestinos da
Cisjordânia trabalha dentro de Israel. Nessas circunstâncias, só os
palestinos mais velhos sabem hebraico. Os jovens que moram nos
territórios ocupados apenas entendem termos ligados à presença militar
israelense na região, como a palavra "mahsom" (que significa ponto de
checagem).
Fonte: http://www.bbc.co.uk
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