Snowden: hora de subverter o neo-totalitarismo
Homem que revelou espionagem global dos EUA sugere: obedecer ordens,
nestas circunstâncias, é usar mesma desculpa esfarrapada dos líderes
nazistas
Edward Snowden
Edward Snowden
Glenn Grohe (1942, cartaz anti-nazista norte-americano)
Foi um tapa na cara do Império. Edward Snowden, o ex-funcionário
terceirizado dos serviços secretos norte-americanos, invocou os Princípios de Nuremberg,
ao falar, sexta-feira (12/6) à tarde a organizações de defesa dos
direitos humanos, no aeroporto de Sheremetyevo (Moscou). Ao fazê-lo,
evocava a luta contra o totalitarismo, e o papel destacado que os EUA
nela jogaram, entre o fim da II Guerra Mundial e o início dos anos 1980.
Snowden está confinado em Sheremetyevo há duas semanas. Pelo menos
três países latino-americanos — Equador, Nicarágua e Venezuela —
concederam-lhe asilo político, na condição de refugiado político. Mas os
EUA pressionam intensamente estas nações a recuar, como revela o New York Times. Paira, desde o ato de pirataria aérea contra
Evo Morales, ameaça implícita de um atentado contra o voo que o trará à
América do Sul. Pior: nas últimas horas, Washington passou a pressionar
diretamente Moscou, para que não conceda asilo ao homem que denunciou a
espionagem global.
Foi certamente por isso que Snowden relembrou os Princípios de
Nuremberg. Adotados no julgamento dos crimes de guerra nazistas,
assumidos em seguida pela ONU como parte do Direito Internacional, eles
frisam que não é possível invocar ordens superiores, ou mesmo leis, para
justificar o desrespeito a princípios éticos.
Sinal dos tempos: em Nuremberg, os EUA tiveram papel central para
desfazer o mito segundo o qual os atentados contra os direitos humanos
devem ser perdoados, quando cometidos por quem recebeu “orientações de
cima”. Hoje, Washington escora-se numa legalidade esfrangalhada para
pedir que o mundo permita-lhe perseguir quem revelou seus crimes… A
seguir, a fala de Snowden (A.M.).
Boa-tarde. Meu nome é Ed Snowden. Há pouco mais de um mês, eu tinha
família, um lar no paraíso, e vivia com grande conforto. Tinha também
meios para, sem qualquer ordem judicial, procurar, avaliar e ler as
comunicações de vocês todos. Comunicações de qualquer pessoa, a qualquer
momento. É o poder para mudar o destino das pessoas.
E também é grave violação da lei. As 4ª e 5ª Emendas da Constituição
do meu país, artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e
inúmeros estatutos e tratados proíbem tais sistemas de vigilância
pervasiva massiva. Enquanto a Constituição dos EUA define esses
programas como ilegais, o meu governo argumenta que decisões tomadas por
tribunais secretos, que o mundo não tem permissão para ver, legitimam,
de algum modo aquele procedimento ilegal. Essas decisões de tribunais
secretos corrompem, simplesmente, as noções mais básicas da Justiça –
que a Justiça, para ser feita, tem de trabalhar às claras. O imoral não
pode ser transformado em moral por força de lei secreta.
Acredito no princípio declarado em Nuremberg em 1945: “Os indivíduos
têm deveres internacionais que transcendem as obrigações nacionais de
obediência. Portanto, cidadãos, indivíduos, têm o dever de violar leis
domésticas para impedir que se cometam crimes contra a paz e a
humanidade.”
Assim, fiz o que acreditei ser certo e comecei uma campanha para
corrigir esses malfeitos. Não procurei riqueza para mim. Não procurei
vender segredos dos EUA. Não colaborei com qualquer governo estrangeiro
para garantir minha segurança. Em vez disso, levei o que eu sabia para a
opinião pública, para que o que nos afeta todos nós possa ser discutido
por todos nós à luz do dia e pedi justiça ao mundo.
Essa decisão moral de contar à opinião pública sobre a espionagem que
nos afeta todos foi difícil e custosa, mas foi a coisa certa a fazer, e
não carrego nenhum arrependimento.
Desde aquele momento, o governo e os serviços de inteligência dos EUA
vêm tentando converter-me em exemplo, um alerta a todos os outros que
possam decidir falar, como eu decidi. Já me converteram em apátrida e
estou sendo caçado por meu ato de expressão política. O governo dos EUA
pôs meu nome em listas de pessoas proibidas de voar no mundo. Exigiu que
Hong Kong me entregasse, em ato contrário às próprias leis, em violação
direta do princípio da não devolução – a Lei das Nações. Ameaçou com
sansões os países que decidiram defender meus direitos humanos e o
sistema de asilo da ONU. O governo dos EUA tomou até a medida, sem
precedentes, de ordenar a exércitos aliados que forçassem o pouso de um
avião presidencial no qual viajava o presidente de um país
latino-americano, para revistá-lo à procura de um refugiado político.
Essa perigosa escalada representa uma ameaça não só à dignidade da
América Latina, mais aos direitos básicos de todos os seres humanos, de
todas as nações, de viver livres de perseguição e de buscar asilo e de
asilar-se.
Contudo, mesmo ante essa agressão historicamente desproporcional,
países em todo o mundo ofereceram-se apoio e asilo. Essas nações, entre
as quais Rússia, Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Equador, têm minha
gratidão e meu respeito, por terem sido as primeiras a erguer-se contra
as violações de direitos humanos cometidas pelos poderosos, mais do que
pelos sem poder. Ao se recusar a ceder os próprios princípios ante a
violência da intimidação, todos esses países se fazem credores do
respeito do mundo. Tenho intenção de viajar a cada um desses países,
para apresentar meus agradecimentos, pessoalmente, aos governos e aos
cidadãos.
Anuncio hoje que formalmente aceito todas as ofertas de apoio ou de
asilo que recebi e todas as que venham a ser-me oferecidas no futuro.
Com, por exemplo, a garantia de asilo que me deu o presidente Maduro da
Venezuela, meu estatuto de asilado é hoje formal – e nenhum estado tem
base legal para limitar ou interferir no meu direito de gozar o direito
daquele asilo.
Mas, como vimos, alguns governos da Europa Ocidental e estados da
América do Norte demonstraram já sua disposição para agir à margem da
lei. E essa ameaça persiste ainda hoje. Essa ameaça ilegal torna
impossível minha viagem para a América Latina e me impede de usufruir os
meus direitos de asilo, direito garantido para todos os homens e
mulheres do mundo.
A intenção manifesta de estados poderosos para agirem contra a lei é
ameaça que pesa contra todos nós e não se pode deixar que se concretize.
Assim sendo, peço que me ajudem a obter o direito de livre passagem
pelo espaço aéreo de nações necessárias para que se complete em
segurança a minha viagem para a América Latina. Peço também asilo à
Rússia, até que aqueles estados aceitem obedecer à lei e permitam que eu
viaje em segurança. Hoje apresentarei à Rússia o meu pedido de asilo.
Espero que seja aceito.
Se tiverem perguntas, responderei as que eu puder. Obrigado.
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