Julgamento do ‘mensalão’ faz aniversário com mais dúvida que certeza sobre culpa dos réus
Um ano antes, no mesmo dia 2 de agosto, o Supremo Tribunal Federal
(STF) se transformou em uma arena na qual o então ministro Joaquim
Barbosa, antes mesmo de assumir a Presidência da Corte Suprema,
mobilizou uma legião de jornalistas e advogados para a leitura do
relatório que condenou 25 réus – entre eles o ex-ministro da Casa Civil
José Dirceu e o ex-presidente do PT, deputado José Genoino (SP). A
defesa dos réus seguia ainda com esperanças de que a denúncia do
Ministério Público Federal (MPF) seria insuficiente por se sustentar em
relatos de testemunhas. Para a opinião pública, a possibilidade de punir
políticos era distante: 73% defendia prisão para os acusados, mas
apenas 11% acreditavam na hipótese, segundo pesquisa do instituto
Datafolha, divulgada antes do julgamento. Outros 37% confiavam na
condenação, mas não acreditavam que os condenados cumprissem penas em
regime fechado.
A ferocidade do relatório de Barbosa, no entanto, surpreendeu mesmo
os analistas mais conservadores. O empresário Marcos Valério,
considerado o operador do ‘mensalão’, foi condenado a mais de 40
anos de prisão por crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa,
peculato, formação de quadrilha e evasão de divisas. José Dirceu,
acusado de chefiar a quadrilha do ‘mensalão’, também foi
condenado a 10 anos e dez meses de prisão por corrupção ativa e formação
de quadrilha. Para juristas que acompanharam o julgamento, no entanto,
uma série de erros poderá mudar os rumos do julgamento mais estridente
na história do STF. Após 53 sessões plenárias, transmitidas ao vivo, em
cadeia nacional, pelas emissoras da Rede Globo de Televisão, o desfecho
completo dos fatos ainda é incerto. A partir do próximo dia 14, o
Supremo passará a analisar recursos dos condenados, os chamados embargos
de declaração. A defesa dos réus tentará questionar eventuais erros ou
omissões no acórdão (documento que resume as decisões), pedindo
absolvição ou redução de penas.
O plenário também deve decidir nos próximos dias se cabe a
apresentação de embargos infringentes – um recurso que pede novo
julgamento para condenados que tenham recebido pelo menos quatro votos
pela absolvição. Em decisão monocrática, o presidente do STF e relator
do mensalão, Joaquim Barbosa, rejeitou a apresentação dos embargos
infringentes. Segundo ele, o recurso não é mais previsto pela
legislação. “Admitir-se embargos infringentes no caso é, em última
análise, apenas uma forma de eternizar o feito, o que seguramente
conduzirá ao descrédito a Justiça brasileira, costumeira e corretamente
criticada justamente pelas infindáveis possibilidades de ataque às suas
decisões”, disse no processo.
Caso o plenário do STF entenda que é possível acolher os embargos
infringentes, réus como José Dirceu, José Genoino e Delubio Soares
poderiam ser beneficiados. O placar acirrado pela condenação por
formação de quadrilha (seis votos a quatro) poderia mudar em um eventual
novo julgamento. Desde a votação, dois novos ministros chegaram à
Corte: Teori Zavascki, considerado um jurista técnico, e Luís Roberto
Barroso, que afirmou em sua sabatina considerar o julgamento “um ponto
fora da curva” da história do tribunal.
Um pedido para desmembrar a ação penal do mensalão foi a origem de
uma das inúmeras discussões acaloradas entre o relator do processo do
mensalão, Joaquim Barbosa, e o revisor do caso, Ricardo Lewandowski. No
primeiro dia de julgamento, o advogado do ex-dirigente do Banco Rural
José Roberto Salgado, Márcio Thomaz Bastos, pediu para que somente os
réus com foro privilegiado fossem julgados no Supremo. Barbosa negou de
pronto o pedido, enquanto Lewandowski apresentou um voto contrário, o
que revoltou o relator.
– Me causa espécie vossa excelência se pronunciar pelo
desmembramento, quando poderia tê-lo feito há seis ou oito meses – disse
Barbosa. O pedido foi negado, o que manteve os 38 réus em julgamento na
mais alta corte do País.
As divergências entre os ministros continuaram nos mais de quatro
meses de julgamento. Barbosa decidiu fatiar o julgamento e votar o caso
tomando como base capítulos da denúncia do Ministério Público.
Lewandowski pretendia dividir a análise réu por réu. O revisor foi
novamente derrotado. A metodologia passou a preocupar o cronograma
inicial do julgamento do ‘mensalão’, previsto para ocupar o calendário
de agosto do tribunal. O julgamento terminou em dezembro, com Barbosa
acumulando as funções de relator e presidente da Corte.
Caso complicado
A Ação Penal (AP) 470 começou em 2007, quando o STF aceitou denúncia
contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em
2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou
conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada
recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do
governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal
José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara.
Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a
cargos públicos até 2015.
A Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo
central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José
Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex-
secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de
quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio também respondem por corrupção
ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da
República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com
isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três
anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP,
morreu em 2010.
O relator apontou, ainda, que o núcleo publicitário-financeiro do
suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus
sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das
funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles
respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção
ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José
Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados
por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O
publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a
ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro
da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken, processado por
peculato, foi inocentado no julgamento. O ex-diretor de Marketing do
Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato,
corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas entrou com um embargo no
qual tenta provar que os recursos que geria não eram públicos, mas
pertencentes a empresas privadas. Caso seja admitida sua inocência, todo
o julgamento corre risco de ser anulado.
Ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP) responde por
peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui
ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio
delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da
República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse
36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação
Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL)
Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas. A ação penal
começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada
pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino
Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para
lavar dinheiro do mensalão.
Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de
Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a
nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça
Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no
processo.
No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho,
os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus,
25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José
Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio
Soares (8 anos e 11 meses). A Suprema Corte ainda precisa publicar o
acórdão do processo e julgar os recursos que devem ser impetrados pelas
defesas dos réus. Somente após transitado em julgado o processo e mantidas as penas atuais, os condenados deverão ser presos.
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