Dilma vai convocar plebiscito para realização de uma reforma política no Brasil
A presidenta Dilma Rousseff conversou com integrantes do
Movimento Passe Livre, na tarde desta segunda-feira, sobre as exigências
dos manifestantes quanto às medidas necessárias a garantir o direito de
ir e vir da população. Mas os segmentos políticos do governo trataram
de um assunto mais espinhoso, que é a consistência da base aliada no
Congresso, após o tsunami das ruas que varreram as casas legislativas de
Brasília e Rio de Janeiro.
Diante de 27 governadores e 26 prefeitos de capitais brasileiras, Dilma
falou em um plebiscito para tratar de uma “ampla e profunda reforma
política” no país, como forma de melhorar o equilíbrio de forças no
Parlamento após as passeatas que, ao longo dos últimos dias, têm levado
milhões de brasileiros às ruas, com as mais diversas exigências junto
aos setores públicos brasileiros.
Dilma lembrou que a reforma política “já entrou e saiu da pauta do
país por várias vezes” e nunca chegou a termo, mas afirmou que é hora de
romper o impasse com a realização de um plebiscito popular para a
formação de uma constituinte específica.
– O Brasil está maduro para avançar. Não quer ficar parado onde está – afirmou a presidenta.
Pactos populares
Além da questão política, foram tratados pela presidenta temas como o
equilíbrio fiscal, para o controle da inflação e a garantia de investimento na economia brasileira, as mudanças no segmento de transportes, saúde e educação.
Dilma iniciou seu discurso aos governadores e prefeitos presentes no
Palácio do Planalto com a exigência de um pacto pelo equilíbrio fiscal
no país, de forma a assegurar o crescimento da economia. Ainda assim,
ela propôs um investimento de R$ 50 bilhões em mobilidade urbana, além
da manutenção das desonerações fiscais iniciadas em 2003, ainda no
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para a saúde, Dilma propôs o incentivo aos médicos brasileiros para
que trabalhem no interior e nas áreas mais pobres do país e a
contratação de médicos estrangeiros caso nenhum profissional brasileiro
se interesse pelas vagas oferecidas.
– A saúde do povo brasileiro deve prevalecer sobre quaisquer interesses – pontuou a presidenta.
Na educação, Dilma voltou a propor que todos os recursos conseguidos
com o pré-sal sejam destinados ao segmento, com apoio dos governadores e
prefeitos das cidades que se beneficiem com este recurso natural.
Quanto às manifestações, Dilma reafirmou seu repúdio à violência de
“vândalos e arruaceiros” nas recentes manifestações, mas advertiu que é
importante ouvir “as vozes democráticas que saem, emergem das ruas, e
que pedem mudanças”.
– É preciso saber escutar. É preciso que todos, sem exceção entendam
esses sinais com humildade e acerto. Se aproveitarmos bem o impulso
dessa nova energia política, poderemos fazer (muito mais) de forma mais
rápida – frisou.
Voz do MPL
No final da manhã, Dilma reuniu-se com representantes do Movimento
Passe Livre (MPL), um dos grupos que organizaram as manifestações em São
Paulo contra o aumento da tarifa do transporte público. Compareceram ao
Palácio do Planalto, representando o MPL, Matheus Nordon, Marcelo
Hotimsky, Mayara Vivian e Rafael Siqueira.
Além da presidenta, do lado do governo, participam os ministros das
Cidades, Aguinaldo Ribeiro, da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto
Carvalho, a secretária Nacional da Juventude, Severine Macedo, e o
secretário-executivo da Secretaria-Geral, Diogo de Sant’ana.
No programa Café com a Presidenta desta segunda-feira, Dilma também
retomou os principais pontos abordados na principal reunião do dia, como
a necessidade de se aproveitar a força das manifestações para acelerar
as realizações no país.
– Se aproveitarmos bem o impulso desta nova energia política,
poderemos fazer, melhor e mais rápido, muita coisa que o Brasil ainda
não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas.
Mas, se deixarmos que a violência nos faça perder o rumo, estaremos não
apenas desperdiçando uma grande oportunidade histórica, como também
correndo o risco de colocar muita coisa a perder. Como presidenta, eu
tenho a obrigação tanto de ouvir a voz das ruas, como dialogar com todos
os segmentos, mas tudo dentro dos primados da lei e da ordem,
indispensáveis para a democracia – afirmou.
Dilma pontuou que o Brasil não aceitará que “uma minoria violenta
destrua o patrimônio público e privado, tentando levar o caos aos
principais centros urbanos do país”.
Contato com o povo
Para o jornalista Gilberto Maringoni, da agências brasileira de
notícias Carta Maior, “os encontros (da presidenta com os movimentos
populares) podem significar várias viradas tanto no comportamento do
governo, quanto na atuação dos movimentos que sacudiram o país nas
últimas duas semanas. Podem também representar a superação de uma fase
do chamado lulismo. Sublinho o verbo “poder”.
“A presidenta parece ter saído de um período de governo pretensamente
‘técnico’, exaltado pela mídia como um salto adiante em relação ao seu
antecessor. Durante dois anos e meio, Dilma governou principalmente a
partir de planilhas e modelagens de metas e desempenhos. Dirigir um país
seria algo como gerenciar um empreendimento que já está com suas
engrenagens e rumos azeitados, bastando apertar um parafuso aqui e outro
ali”, afirmou, em artigo publicado nesta segunda-feira.
Ainda segundo Maringoni, o “contato com o povo e o mundo político foi
feito, no mais das vezes, através de intermediários e de pesquisas
quantitativas e qualitativas. Algo próprio de quem não tem muita
familiaridade com a política estrito senso”.
“Algo bem diverso da atuação do ex-presidente Lula em seu segundo
mandato (2007-11). O então mandatário – depois da crise do mensalão –
usou e abusou de visitas a todo o país e deixou de conceder entrevistas
exclusivas a órgãos de imprensa que o atacavam impiedosamente. Passou a
dar coletivas a torto e a direito, em quase todas as manifestações
públicas e a falar mais. Desceu dos palanques para apertar mãos e
cumprimentar os que acorriam a inaugurações e atividades oficiais”.
“Dilma faz um governo de gabinete. Justamente o que está sendo
criticado nas manifestações. Pode ser que a presidenta tenha descoberto
que nada substitui a política na atividade administrativa”, afirmou o
articulista.
Manifestação
Ainda nesta manhã, o MPL divulgou a Carta Aberta do Movimento Pase
Livre São Paulo à Presidenta, a qual o Correio do Brasil publica, a
seguir, na íntegra:
“À Presidenta Dilma Rousseff,
Ficamos surpresos com o convite para esta reunião. Imaginamos que
também esteja surpresa com o que vem acontecendo no país nas últimas
semanas.
Esse gesto de diálogo que parte do governo federal destoa do
tratamento aos movimentos sociais que tem marcado a política desta
gestão. Parece que as revoltas que se espalham pelas cidades do Brasil
desde o dia seis de junho tem quebrado velhas catracas e aberto novos
caminhos.
O Movimento Passe Livre, desde o começo, foi parte desse processo.
Somos um movimento social autônomo, horizontal e apartidário, que jamais
pretendeu representar o conjunto de manifestantes que tomou as ruas do
país. Nossa palavra é mais uma dentre aquelas gritadas nas ruas,
erguidas em cartazes, pixadas nos muros. Em São Paulo, convocamos as
manifestações com uma reivindicação clara e concreta: revogar o aumento.
Se antes isso parecia impossível, provamos que não era e avançamos na
luta por aquela que é e sempre foi a nossa bandeira, um transporte
verdadeiramente público. É nesse sentido que viemos até Brasília.
O transporte só pode ser público de verdade se for acessível a todas e
todos, ou seja, entendido como um direito universal. A injustiça da
tarifa fica mais evidente a cada aumento, a cada vez que mais gente
deixa de ter dinheiro para pagar a passagem.
Questionar os aumentos é questionar a própria lógica da política
tarifária, que submete o transporte ao lucro dos empresários, e não às
necessidades da população.
Pagar pela circulação na cidade significa tratar a mobilidade não
como direito, mas como mercadoria. Isso coloca todos os outros direitos
em xeque: ir até a escola, até o hospital, até o parque passa a ter um
preço que nem todos podem pagar.
O transporte fica limitado ao ir e vir do trabalho, fechando as
portas da cidade para seus moradores. É para abri-las que defendemos a
tarifa zero.
Nesse sentido gostaríamos de conhecer o posicionamento da presidenta
sobre a tarifa zero no transporte público e sobre a PEC 90/11, que
inclui o transporte no rol dos direitos sociais do artigo 6o da
Constituição Federal.
É por entender que o transporte deveria ser tratado como um direito
social, amplo e irrestrito, que acreditamos ser necessário ir além de
qualquer política limitada a um determinado segmento da sociedade, como
os estudantes, no caso do passe livre estudantil.
Defendemos o passe livre para todas e todos!
Embora priorizar o transporte coletivo esteja no discurso de todos os
governos, na prática o Brasil investe onze vezes mais no transporte
individual, por meio de obras viárias e políticas de crédito para o
consumo de carros (IPEA, 2011). O dinheiro público deve ser investido em
transporte público!
Gostaríamos de saber por que a presidenta vetou o inciso V do 16º
artigo da Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/12) que
responsabilizava a União por dar apoio financeiro aos municípios que
adotassem políticas de priorização do transporte público. Como deixa
claro seu artigo 9º, esta lei prioriza um modelo de gestão privada
baseado na tarifa, adotando o ponto de vista das empresas e não o dos
usuários.
O governo federal precisa tomar a frente no processo de construção de
um transporte público de verdade. A municipalização da CIDE, e sua
destinação integral e exclusiva ao transporte público, representaria um
passo nesse caminho em direção à tarifa zero.
A desoneração de impostos, medida historicamente defendida pelas
empresas de transporte, vai no sentido oposto. Abrir mão de tributos
significa perder o poder sobre o dinheiro público, liberando verbas às
cegas para as máfias dos transportes, sem qualquer transparência e
controle. Para atender as demandas populares pelo transporte, é
necessário construir instrumentos que coloquem no centro da decisão quem
realmente deve ter suas necessidades atendidas: os usuários e
trabalhadores do sistema.
Essa reunião com a presidenta foi arrancada pela força das ruas, que
avançou sobre bombas, balas e prisões. Os movimentos sociais no Brasil
sempre sofreram com a repressão e a criminalização. Até agora, 2013 não
foi diferente: no Mato Grosso do Sul, vem ocorrendo um massacre de
indígenas e a Força Nacional assassinou, no mês passado, uma liderança
Terena durante uma reintegração de posse; no Distrito Federal, cinco
militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foram presos
há poucas semanas em meio às mobilizações contra os impactos da Copa do
Mundo da FIFA. A resposta da polícia aos protestos iniciados em junho não destoa do
conjunto: bombas de gás foram jogadas dentro de hospitais e faculdades;
manifestantes foram perseguidos e espancados pela Polícia Militar;
outros foram baleados; centenas de pessoas foram presas arbitrariamente;
algumas estão sendo acusadas de formação de quadrilha e incitação ao
crime; um homem perdeu a visão; uma garota foi violentada sexualmente
por policiais; uma mulher morreu asfixiada pelo gás lacrimogêneo. A
verdadeira violência que assistimos neste junho veio do Estado – em
todas as suas esferas.
A desmilitarização da polícia, defendida até pela ONU, e uma política
nacional de regulamentação do armamento menos letal, proibido em
diversos países e condenado por organismos internacionais, são urgentes.
Ao oferecer a Força Nacional de Segurança para conter as
manifestações, o Ministro da Justiça mostrou que o governo federal
insiste em tratar os movimentos sociais como assunto de polícia. As
notícias sobre o monitoramento de militantes feito pela Polícia Federal e
pela ABIN vão na mesma direção: criminalização da luta popular.
Esperamos que essa reunião marque uma mudança de postura do governo
federal que se estenda às outras lutas sociais: aos povos indígenas,
que, a exemplo dos Kaiowá-Guarani e dos Munduruku, tem sofrido diversos
ataques por parte de latifundiários e do poder público; às comunidades
atingidas por remoções; aos sem-teto; aos sem-terra e às mães que
tiveram os filhos assassinados pela polícia nas periferias.
Que a mesma postura se estenda também a todas as cidades que lutam
contra o aumento de tarifas e por outro modelo de transporte: São José
dos Campos, Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Goiânia,
entre muitas outras.
Mais do que sentar à mesa e conversar, o que importa é atender às
demandas claras que já estão colocadas pelos movimentos sociais de todo o
país. Contra todos os aumentos do transporte público, contra a tarifa,
continuaremos nas ruas! Tarifa zero já! Toda força aos que lutam por uma vida sem catracas!
Movimento Passe Livre São Paulo
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