Não
chore, Guilhermina
Danuza
Leão
Escritora e cronista
Passei a
detestar clubes desde o dia em que, há muitos anos, presenciei uma conversa
entre alguns sócios de um famoso clube do Rio, o Country. Nesse tempo a
garotada tinha a mania de roubar carros, dar umas voltas no quarteirão e depois
largá-los em qualquer lugar. Detalhe: não eram ladrões, apenas adolescentes
brincando de transgredir.
Só que
nesse dia a polícia viu, e foi atrás; os meninos, apavorados, entraram no
estacionamento do Country (eram filhos de sócios), e a polícia foi atrás. O
final dessa história não importa, mas nunca esqueci do que ouvi. Segundo esses
sócios, a polícia não tinha o direito de entrar num clube privado, que tal? Foi
a partir daí que comecei a detestar clubes e, mais ainda, os que ditam as
regras dos clubes.
No
Country é assim: a pessoa que pretende ser sócia, em primeiro lugar compra um
título --entre R$ 500.000,00 e R$ 1.000.000,00; depois paga o mico de ter seu
nome estampado num quadro, e se arrisca a pagar um mico ainda maior, o de não
ser aceito (as famosas bolas pretas), e ter que fingir que nada aconteceu.
Ninguém jamais saberá porque a pessoa levou bola preta, e também jamais saberá
quem deu a(s) bola(s) preta(s). Esse é um ato de covardia, e como no clube
ninguém tem assunto, um prato para os sócios. O alvo predileto dos que votam
costuma ser mulheres solteiras e bonitas; eles sabem, intuitivamente, que a
elas jamais terão acesso. E tem o grupo das mulheres, que pressiona os maridos
para votar contra, porque não querem no clube mulheres solteiras e bonitas, ai
ai.
O Country
é um clube decadente, frequentado por pessoas --excetuando algumas poucas-- tão
decadentes quanto. Gente que não tem coragem de se expor, e passa a vida
almoçando, jantando, casando, traindo, roubando, dando pequenos golpes dentro
da própria família, protegida pelas paredes do clube; lá tudo pode e tudo é
perdoado, desde que aconteça entre os sócios. É como se fosse um país dentro de
outro país, com um presidente, seus ministros, suas fronteiras, suas leis. Não
sei onde tem mais mofo, se nos sofás ou nas cabeças desses frequentadores, que
adoram seus privilégios: as piscinas, as quadras de tênis, a liberdade de
assinar as notas para pagar no fim do mês --quando pagam. Como os sócios estão,
em boa parte, falidos, podem comer seu picadinho --ruim-- lembrando dos velhos
tempos. Bom mesmo vai ser no dia em que um deles escrever um livro contando as
histórias do clube, que devem ser de arrepiar, mas vai ser difícil: quando você
fica sócio, passa automaticamente a fazer parte de uma sociedade secreta, tipo uma
máfia, onde a ormetà (voto de silêncio) é sagrada. Tudo pode --e põe tudo
nisso--, desde que seja só entre eles.
Logo que
cheguei de férias soube do affair Guilhermina Guinle, que tentou ser sócia do
clube mas foi bombardeada por bolas pretas. Pensei, pensei, e não entendi. Por
que uma mulher bonita, charmosa, rica, de sucesso, quer ser sócia do Country? E
pensei que, como todos os que já receberam as tais bolas pretas, ela mereceu: é
o castigo de querer pertencer ao clube mais gagá do Brasil. Dá para entender
que uma pessoa pague uma fortuna pelo título de um clube em que alguns poucos
vão decidir se ela pode frequentá-lo? E é possível alguém querer frequentar um
lugar em que é preciso pedir licença para entrar, e essa permissão ser dada
--ou não-- por um pequeno grupo cujo momento de gloria é a reunião do clube,
onde podem dar vazão às suas frustrações e se vingar da vida? Não dá para
entender mes-mo.
Aliás,
seria uma boa ideia desapropriar aquele belo terreno que dá frente para a av.
Vieira Souto e fazer ali um jardim público onde os atuais sócios poderiam ir
dar seus passeios e falar mal da vida dos outros, sem pagar um só tostão.
O papa se
demitiu, os meteoros estão caindo, o mundo se acabando, e o Country continua
acreditando em suas bolas pretas. É de chorar.