quarta-feira, 27 de junho de 2012

SAUBARA/BAHIA

As mulheres de Saubara e o “2 de Julho de 1823”

Por Betinho d` Saubara

O histórico, o tradicional e querido torrão saubarense foi um dos pontos do Recôncavo baiano que serviu de trincheira onde foram desenrolados os grandes préstimos em favor da tão almejada liberdade nacional. Diante disso, não se pode e não se deve omitir a força da participação dos anônimos lutadores de Saubara (roceiros, pescadores e marisqueiras) dos feitos patrióticos, quando foi ratificada a independência dos brasileiros e das brasileiras. Antigamente, quando se falava que o povo saubarense havia lutado em favor da Independência do Brasil, na Bahia, durante o período de 1822/1823, ficava entendido que somente os homens tinham participado dos grandes feitos, porém com o passar dos anos novas leituras e releituras vem sendo feitas nos raríssimos documentos escritos naquela época, e está se constatando, também, os incomensuráveis trabalhos empreendidos pelas mulheres.
Foi por intermédio da História oral, que passamos, a entender, um pouco mais sobre a participação dos homens e das mulheres saubarenses nas lutas em prol da soberania nacional, mas especificamente no que se refere à participação das mulheres, quando antigos moradores deste município praieiro através de seus relatos orais passaram e repassaram para seus descendentes os fatos acontecidos naquele período, na região do Recôncavo da Bahia.
Por muito tempo a história oficial omitiu o papel da mulher na construção do Estado da Bahia, mas, atualmente, estudos históricos revelaram que as mulheres não eram alheias à política, especialmente nas lutas mais acirradas e nem podiam ser, pois os conflitos atingiam e desmantelavam suas famílias e muitas assumiam a chefia da casa. (Aladilce Souza / 2010).
Poucas das muitas coisas que aconteceram no passado não foram ou não estão mencionadas nos livros e jornais da época. O que as pessoas consideradas comuns faziam não era valorizado, não era comentado ou não ganhava ênfase a ponto de estarem sendo divulgadas na imprensa, neste ínterim, por serem cidadãs comuns os trabalhos realizados pelas batalhadoras mulheres saubarenses em favor dos bravos lutadores não mereciam/mereceram reconhecimento por parte dos historiadores e pesquisadores, atualmente é que estão sendo objetos de estudos.
“As pessoas de classes populares não constavam da história social, permaneciam não identificadas”, ressalta Consuelo Pondé, presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). Nos bastidores, conta, essas mulheres sem nome cozinhavam e costuravam as fardas dos homens que iam para as frentes de batalha. (Amélia Vieira / 2009).
Todos os anos, durante o folguedo das “Caretas do Mingau” (realizado na madrugada do dia primeiro de Julho), permanece vivo no imaginário do povo de Saubara, a rememoração da época da guerra entre os brasileiros e os portugueses, quando as briosas mulheres saubarenses ajudaram seus esposos que se encontravam lutando nas trincheiras. “Eram elas que durante altas horas da noite usando horríveis disfarces (máscaras), a fim de não serem identificadas e amedrontarem os inimigos, saíam de seus lares para levarem mantimentos para todos aqueles brasileiros, que estavam brigando na Ponta da Saubara”. (Domínio popular).
Durante vários dias e meses levando não somente armas e munições, como também alimentos, roupas, agasalhos e remédios para os homens que se encontravam na guerra, as abnegadas mulheres saubarenses (mães de famílias, domésticas, roceiras e marisqueiras.) prestavam total assistência aos seus destemidos e corajosos maridos. Sabe-se que muitas dessas guerreiras participaram diretamente dos ferrenhos combates, pegando em armas (espingardas, pistolas, facas e facões.) para lutar durante muitas horas.
Essa brava participação feminina ficou registrada no Dossiê do Marechal Pedro Labatut, assim descrita: “A luta se alonga por mais de seis horas; um assalto com desperdício de cartuchame. Os portugueses desistem do seu intento, para ameaçar Saubara, cujos defensores, sem distinção de sexo, dirigidos pelo Padre Manuel José Gonçalves Pereira, os rechaçam”. Vale aqui entender, interpretar, que homens e mulheres saubarenses bravamente lutaram, não permitindo que as tropas portuguesas chefiadas por Madeira de Mello dominassem o solo brasileiro.
Num tempo distante, a começar pelo nome da índia Catarina Paraguaçu, na continuidade o nome da enfermeira Ana Nery, seguidamente, no tempo presente, o nome da Bem-Aventurada Irmã Dulce dos Pobres, a História da Bahia traz no conteúdo escolar, nomes de mulheres que disponibilizaram/disponibilizam momentos de sua vida religiosa, educacional, cultural, social e política, para praticar a caridade em favor dos mais necessitados.
Elvira de Araújo Queiroz, Amélia Rodrigues, Marta Rocha, Marta Vasconcelos, Gal Costa, Maria Bethânia, Karina Rabinovitz, Eliana Calmon, dentre outras, foram/são mulheres que se destacaram/destacam na medicina, na educação, na beleza, na música, na literatura, na justiça, a fim de valorizarem seus dons e conhecimentos. Muitas delas foram/são reconhecidas pela sua inteligência, por merecimento ou por imposição do poder financeiro, artístico, social ou político, que estavam/estão atreladas. Contudo, dezenas de mulheres comuns que tiveram/têm coragem de partirem/partir para os campos de guerras, apesar de saberem que teriam/terão suas vidas ceifadas nas batalhas, ainda permanecem desconhecidas pela História oficial. Sabe-se que muitas destas tenazes mulheres ainda não foram reconhecidas pelo que desempenharam em favor de assegurar a soberania nacional.
A história da Independência da Bahia está repleta de heróis. Mas, apesar da representação feminina no cortejo, através do ícone da cabocla, o reconhecimento da decisiva participação das mulheres nas lutas pela libertação ainda é subdimensionda, sendo lembradas apenas as figuras de Maria Quitéria e Joana Angélica e, recentemente resgatada da história, Maria Felipa. Centenas de heroínas anônimas, todavia, tiveram atuação estratégica na libertação da Bahia e do Brasil dos opressores portugueses. (Amélia Vieira /2009).
No Estado da Bahia, quando se falava/fala ou se escrevia/escreve sobre a participação das mulheres baianas nas lutas libertárias, apenas eram lembradas duas heroínas: Maria Quitéria de Jesus Medeiros e Joana Angélica, e ultimamente Maria Felipa de Oliveira. Na grande verdade está esquecendo-se ou omitindo-se nitidamente, que anônimas mulheres saubarenses e dentre muitas outras mulheres itaparicanas também realizaram dignos trabalhos em favor da Independência brasileira. “[...] Só lembramos as que viraram mitos. Esquecemos as que foram peças-chave para a situação”. (Nancy Rita Sento Sé de Assis / 2009).
A história da Bahia foi e é escrita por mulheres, no cotidiano das índias, escravas, brancas, negras, ricas, pobres. Por mulheres comuns que se articularam e criaram estratégias para fazer valer seus interesses, nos mais variados espaços, como nos movimentos de bairros, nas universidades, nos sindicatos, nos partidos. (Aladilce Souza /2010).
Mesmo que por muitos anos a historiografia oficial baiana e brasileira, em determinados aspectos, não tenham se preocupado em pesquisar, estudar, conhecer, divulgar ou até mesmo tenha omitido as incansáveis pelejas desencadeadas pelas mulheres comuns, numa forma sutil de desconsiderá-las como heroínas, urge, a partir de agora que seja realizada esta quase bicentenária reparação.
Mesmo que por muitos séculos a historiografia oficial brasileira, notadamente a baiana, em grande parcela não tenha reconhecido as laboriosas lutas desprendidas pelas mulheres humildes, principalmente as descendentes de pobres, de índios e de negros, ainda devem existir vontade e tempo para os governantes fazerem o reconhecimento, e os competentes historiadores irem aos arquivos e campos onde se desenrolaram os fatos, a fim de pesquisarem detidamente.
O não reconhecimento da participação das corajosas mulheres saubarenses e itaparicanas, no processo histórico da Independência do Brasil, na Bahia, é uma forma camuflada, porque não dizer tênue, de excluí-las da história social. Mesmo que as historiografias do Brasil e da Bahia não tenham se preocupado em estudar e conhecer os relevantes serviços prestados pelas pessoas comuns, necessário se faz, humanamente, que seja concretizado este digno reconhecimento.
Diante destes raciocínios, pensando numa forma de fazer justiça, numa maneira de reconhecê-las como mártires e homenageá-las, necessário se faz que seja resgatada a história de vida dessas magnânimas mulheres saubarenses / itaparicanas - pelo muito que tiveram de abdicaram dos seus afazeres domésticos e conjugais, a fim de participarem decisivamente das sangrentas batalhas, que objetivavam consolidar a liberdade brasileira do jugo português.


*Raimundo José dos Santos (Betinho d` Saubara)
Discente do Curso de História da UFRB – CAHL / Cachoeira - BA
rjsbetinho@yahoo.com.br

6 comentários:

  1. saubara o brasil reconhece a sua luta...

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  2. MODESTA PARTE ESSE MEU AMIGO SAUBARENSE ESCREVE MUITO BEM.
    PARABÉNS BETINHO DE SAUBARA

    ATT. CÁSSIO ALVES

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    1. eneas barros dos reis28 julho, 2012

      Betinho, enciclopedia viva que enaltece os saubarenses!Que nunca falte inspiração para registrar a nossa historia. Eneas Reis

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  3. Grande Primo, grande representante da nata intelectual da Cidade de Saubara. Continue a nos encantar com suas críticas poéticas, nos motivar com as contribuições para o entendimento e esclarecimento do nosso passado e nos orgulhar por ser nosso sangue. Que Deus continue lhe dando sabedoria.
    Ricardo e Família

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  4. Professor adorei o trabalho. e fico muito feliz...me senti e sala de aula

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  5. Fique muito feliz pelo texto... viva a história do Recôncavo... viva Saubara.

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