segunda-feira, 11 de junho de 2012

ESTÁ ACONTECENDO NA BAHIA

Em defesa dos professores

Em defesa dos professores. Estou entre aqueles que acham que a greve dos professores baianos já durou demais da conta. Mas, diante da carga midiática contra os professores, no decorrer desta semana, durante e após a ida do governador Wagner à televisão para apresentar uma “nova proposta” para os grevistas, resolvi me expressar. Havia prometido a mim mesmo que evitaria mergulhar nessas querelas, mas, parece que sou incorrigível.

DO BAHIA TODO DIA | 08/06/2012 | 18h52

Por Edson Miranda

Estou entre aqueles que acham que a greve dos professores baianos já durou demais da conta. Que governo e professores precisam sentar para valer para acontecer um desfecho rápido e satisfatório para essa situação de impasse, que ameaça prolongar e muito o movimento paredista, com prejuízos irreversíveis para a Educação da Bahia e, consequentemente, para toda a sociedade. Mas, diante da carga midiática contra os professores, no decorrer desta semana, durante e após a ida do governador Wagner à televisão para apresentar uma “nova proposta” para os grevistas, resolvi me expressar. Havia prometido a mim mesmo que evitaria mergulhar nessas querelas, mas parece que sou incorrigível.

Não pretendo tratar do conteúdo da proposta, que antes da greve não foi nem apresentada para apreciação da categoria, pois havia uma decisão de assembleia de que os professores não aceitavam parcelar os 22, 22 % e, agora na reapresentação pelo governo, a categoria, por unanimidade da assembleia, resolveu recusar, sob a alegação de insuficiência. Quero tratar apenas da forma como o processo de “negociação” se desenvolveu. Acredito que o governo errou feio na estratégia adotada para (re) apresentação da proposta. Vejamos.

1 - A proposta não foi previamente apresentada para os professores em greve, como recomendaria um processo verdadeiramente democrático de negociação. Mais uma vez o governo abusou da possibilidade de jogar, o que não é recomendável para uma boa e franca negociação, o que a atual situação requer, principalmente porque o conflito ainda se encontrava bastante acirrado. Agindo de maneira enviesada, o governo preferiu apresentar sua proposta pela televisão e o movimento só teve conhecimento do seu “teor” posteriormente, abrindo espaço, assim, para vozes dissonantes.

2 - O governo petista, que tanto critica a grande mídia pelo seu “poder descomunal” na sociedade, jogou para que essa mesma mídia fizesse a segunda parte do trabalho, ou seja, liquidasse com a greve. Jogou arriscadamente para um checkmate na categoria. No mesmo dia, foi jornal decretando o fim do movimento, articulista de site colocando a culpa nos professores pelo analfabetismo passado e futuro da Bahia, locutor de rádio jogando pais e alunos contra os professores e por aí vai.

3 – Essa jogada conduziu o jogo para outra situação delicada e levou o outro lado a ter que revidar o golpe sofrido: o final da greve, nos termos quase que impostos, significava uma profunda derrota para o movimento e uma desmoralização para os professores. Algo sem precedentes se considerarmos que se tratava de uma derrota imposta por um governo eleito com a maioria dos votos da categoria.

4- O próprio governador ao divulgar a proposta fez questão de ressaltar que não se tratava de uma nova proposta, não fez questão nem do importante, nessas ocasiões, “douramento da pílula” ou a inclusão de um plus mínimo, o que comumente chamamos de oferecer uma porta de saída ou uma “saída honrosa”. Ao contrário, enfatizou que se tratava da mesma proposta apresentada antes da greve eclodir. Convenhamos, algo contraproducente porque a mesma proposta já tinha sido rejeitada no início da negociação e sua (re) apresentação, nos mesmos moldes, no mínimo, imprudente, haja vista que o objetivo era tentar alcançar uma situação de convergência e aprovação.

5- Ora! Se não era para oferecer uma espécie de “saída honrosa” para a greve, qual era o intuito? Que jogada havia por trás da afirmação devidamente ressaltada? Tento eu mesmo responder: caso acabasse a greve, afirmar que o movimento era, desde o seu início, comandado por lideranças tontas, radicais e irresponsáveis? Que deixaram uma greve se prolongar por dois meses sem razão, prejudicando toda uma sociedade? Será que era essa a jogada, deixada se arquitetar por um provável sentimento de vingança de membros do governo contra os dirigentes da greve? Estou apenas especulando e tirando interpretações, pois toda ação comunicativa é passiva de múltiplas interpretações e os líderes do movimento também podem ter interpretado dessa mesma forma. Caso o motivo tenha sido, verdadeiramente, esse, foi infantil e fruto de mentalidades que tiraram péssimas lições da experiência sindical que tiveram.

6- Em contrapartida, o presidente da APLB, Rui Oliveira, deu de 1x0 (um a zero) na mídia, “um gude preso”, como se diz no jargão do futebol. Demonstrando maturidade, não se desligou do sindicato para concorrer a uma vaga de vereador por Salvador. Evitou, assim, um verdadeiro massacre midiático contra sua pessoa. Certamente, diriam que Rui Oliveira, por razões egoístas, mesquinhas e politiqueiras, manobrou, manietou toda uma categoria, pouco se lixando para o prejuízo causado a alunos, pais e toda uma sociedade. Em síntese: um vilão que a mesma sociedade precisa punir exemplarmente, de preferência não o elegendo para vereador. Rui foi mais sábio e, agora, tem crédito acumulado para voos mais altos.

7 - Agora, o melhor a fazer é desarmar os espíritos dos dois lados, parar o jogo que visa uma derrota brutal do “inimigo”, particularmente por parte do governo, que não pode enfrentar uma greve como se estivesse indo para uma guerra. Quem conhece a realidade do movimento sindical brasileiro sabe que nenhuma categoria atualmente no Brasil tem condições de fazer uma greve política para derrubar um governo, deslegitimar uma autoridade democraticamente eleita ou outras asneiras que venham a dizer. A mentalidade do trabalhador brasileiro ainda é economicista, ela se move em função do bolso e da barriga. Mesmo existindo lideranças no interior da greve, ligadas a partidos que tenham interesses em desgastar política e eleitoralmente o governo de plantão ou a direção do sindicato, sua ação nesse caminho é muito limitada e tem que ser pesada diariamente para não sofrer descrédito: os grevistas podem achar que aquela liderança específica está desfocada e, com isso, se preocupa mais com fins eleitorais e políticos do que com aquela imediata vitória econômica da categoria. O trabalhador na greve, particularmente uma categoria composta por professores, não gosta e sabe discernir quando estão tentando manietá-la.

8- Outra questão a ser repensada é essa nova investida, mais intensa durante esta semana, quando secretários de governo ocuparam veículos para depreciação generalizada da imagem dos professores baianos. Ela reflete desespero e despreparo. Quem já foi sindicalista, já dirigiu greve que foi acusada de possuir cunho político e foi taxado de radical e irresponsável não pode incorrer nesse tipo de erro político. A confusão chegou a tal ponto que o secretário de saúde, com uma greve do seu setor batendo na porta, e que é extremamente vital para o governo alcançar uma negociação imediata, sai do seu quadrado para afirmar que os “professores são irresponsáveis”. Se alguém, insensato no governo, escalou o secretário para falar tal asneira, é importante que outro alguém, sensato, peça para o secretário, nesse momento, procurar cuidar apenas do seu quadrado, o que já é muito.

9 – Em relação aos professores, o comando da greve também deve sinalizar com mais intensidade para o compromisso com o diálogo e a negociação, marcando assembleias com espaços mais curtos, entre uma e outra, e já pensando em mecanismos realmente eficientes de reposição de conteúdos para os estudantes.

10 – Por fim, já comentei sobre isso em outro texto, essa “birra” do movimento sindical brasileiro é salutar para a nossa democracia. Logo, o governo e o governador não podem se deixar influenciar pelas “velhas carpideiras da mídia” que, vai e volta, falam em excesso de democracia e quebra de autoridade. Elas, nunca perdem o vício de chorar o passado. Essa aparente “birra” pode significar um processo de autonomização do movimento sindical e popular em relação às esferas de partidos e governos. O exemplo mais emblemático de que essa falta de autonomia é nociva para a sociedade é a experiência Soviética. Lá sindicato, governo e Estado era tudo a mesma coisa, constituíam uma única esfera. Eram correias de transmissão do partido único. Ao fim e ao termo, deu no monstro que deu.

11- Quanto a isso, vou relatar uma experiência que eu mesmo tive e que pode ilustrar melhor o que estou afirmando. Certa feita, na década de 80, na condição de presidente nacional da Associação dos Trabalhadores da Cultura, conduzia uma greve nacional da categoria a partir do Rio de Janeiro. Era nossa data base e resolvemos impedir a concretização da exposição “Tesouros do Kremlin”, negociada pelo Itamaraty e o Ministério da Cultura com o Governo Soviético. Era um trunfo e tanto para a nossa greve. Cercamos o Paço Imperial do Rio de Janeiro e o Museu Nacional de Belas Artes, onde a referida exposição se desenrolaria. Depois de vários dias de cerco e manifestações, percebemos algumas mulheres russas chorando copiosamente e expressando gestos de grande desespero. Fomos nos informar sobre o porquê daquelas cenas de medo. Alguém nos disse que tudo aquilo era muito estranho para elas. Que não reconheciam uma greve, pois nunca presenciaram uma na Rússia. Achavam que iríamos atentar contra a integridade delas e das peças do Kremlin. Desse dia em diante decidimos moderar um pouco nas manifestações e trabalhar mais na linha de negociar, conseguimos um bom acordo de data-base e os “Tesouros do Kremlin” puderam ser vistos por brasileiros de vários estados.

12 – Acredito que esse processo de autonomização atual no Brasil tem mais a ver com questões de ordem material, a imensa desigualdade que começa a se constituir dentro da própria militância de partidos de esquerda, algo inconcebível para partidos de concepção socialista e comunista, do que com questões de ordem conceitual e de concepção político-ideológica. Mas sobre isso, eu prometo voltar a falar em outro texto. Por enquanto é só.

Edson Miranda é jornalista e editor do BTD.

http://www.bahiatododia.com.br/index.php

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