sábado, 26 de maio de 2012

COTIDIANO CARIOCA

As duas Guerras
Por Erivaldo Brito


Demorei-me para aderir ao modismo da pochete, uma pequena bolsa que era fechada com zíper que se levava à cintura. Quando eu ganhei uma de presente no Natal de mil novecentos e antigamente, o troço passou a ser careta. Pior do que isso: ganhou a má fama de ser um acessório dos corretores zoológicos.
Foi então, crianças, que as escolas particulares de todo o país, com aquela lista de material escolar incrível, (até papel higiênico, gente!) teve como consequência a adaptação de um apetrecho militar, um saco de lona enorme que era levado às costas dos estudantes ou empurrado sobre rodinhas. Hoje, a mochila acabou se tornando um objeto indispensável para qualquer aventureiro (a) que transita na cidade do Rio de Janeiro. Tal foi a aderência da mochila aos hábitos do carioca que, os acadêmicos de Direito (vulgo “escraviários”) a harmonizaram com o terno e a gravata. Devo dizer que é uma combinação relativamente estapafúrdia, mas, não deixa de ser divertido ver os moços transitando de terno, gravata e mochila nas costas.
Deixando a otimização e a praticidade de lado, as mochilas estão ultrapassando os limites do inimaginável, estão cada vez maiores. O que será que estão levando? Será que vão acampar em algum lugar?
Com o número exagerado de mochileiros nos transportes coletivos, a gravação do Metrô, além de advertir para que não se viaje “encostado à porta, que os bancos de cor laranja e azuis são preferencialmente das grávidas, idosos e portadores de necessidades especiais”, que “as mochilas não devem ser levadas às costas”. Ninguém obedece. E como incomodam, sobretudo quando está chovendo, o sujeito não tem controle e sai molhando todo mundo. Outro dia, dois mochileiros tiveram dificuldades em saltar ao mesmo tempo na Estação Uruguaiana e travaram uma pequena Guerra das Mochilas. Poderia dar em merda.
Por falar nisso, quando eu era menino, o maior divertimento era as matinês dominicais do Cine Teatro Cachoeirano. Numa tarde de domingo que longe vai, a minha madrinha teve um trabalho “disgramado” para passar minha calça branca, usando parafina para realçar o vinco. Mas fez logo a advertência: “Vê se não vai se lambuzar todo!”.
Naquele dia fiquei na minha, quietinho. Quando terminou a matinê, vinha caminhando pela orla sentindo a brisa fresca e o cheiro da maresia do meu rio Paraguaçu, a famosa “maré de malço” como a patuleia gostava de chamar. Quando passei da Escola Montezuma e fui andando em direção ao Jardim Grande, recebi uma porrada nas costas. Um dos meninos que brincavam no local foi o autor da façanha. Olhei para o chão e vi que se tratava de um pedaço de cocô de cavalo! Ali havia acampado um bando de ciganos, ”munição” é que não iria faltar. Esqueci-me das recomendações da minha madrinha, entrei na brincadeira pra valer enchendo os bolsos de “munição”, algumas até menos consistentes. Quando cheguei em casa, com a minha calça branca toda “decorada” de fezes de cavalo amolecidas, a minha madrinha quase deu um piripaque: “Menino que merda foi essa? Sua calça está em petição de miséria!” Abro um parêntese para inquirir aos nobres operadores do Direito se conhecem tal modelo de exordial?
Então, meio sem graça respondi: “Foi a guerra, dindinha, foi a guerra!” E ela denotando a maior surpresa: “Que guerra, menino?!” E eu: “a guerra de cocô!”. Tadinha: morreu sem saber de que conflito se tratava.



*Erivaldo Brito, advogado radicado na cidade do Rio de Janeiro/RJ, é cachoeirano.





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