quinta-feira, 24 de novembro de 2011

CACHOEIRA/BAHIA

MEMÓRIA ESPORTIVA

As confusões e a conquista do bi-campeonato

Por Erivaldo Brito

Mesmo os que não leram a crônica anterior postada neste blog, ao tomarem conhecimento da sua publicação divagaram sobre o assunto, o que ratifica a crença de que, todos têm um lugarzinho reservado às memórias afetivas, mas, é o coração quem faz suas escolhas, naturalmente orientado pelos mistérios insondáveis da subjetividade humana. Um amigo fraterno chegou a dizer-me ao telefone que, “a seleção (cachoeirana), podia até não vencer, mas convencia!” Vá entender a memória que cada um de nós tem de um mesmo fato presenciado daqueles tempos em que, para a maioria dos cachoeiranos e de outras plagas envolvidas na competição pebolística intermunicipal, o futebol ficava muito acima de um simples jogo, para representar a própria “honra” da cidade.

Nos fins da década de 50 e na década de 60, o “esporte bretão” - como diziam os antigos - praticado na Cachoeira, era representado pela equipe do Cruzeiro, então filiado à Liga Sanfelixta. Vários foram os atletas que atuaram na referida equipe e que, segundo a nossa avaliação, poderiam jogar em qualquer equipe profissional até nos dias presentes: Hugo Mascarenhas, Didi Zoião, Luis Aranha, Geraldino, Vaduca, Badú, Binoca, Moacir Tinoco, Nandú, Bise, Baú de Pequel, Renatinho, Dr. Braga, os irmãos Edinho e Edésio.

O Cruzeiro ganhou muitos títulos e muitas foram as confusões entre torcedores sanfelixtas e cachoeiranos. No ano de 1965, os esportistas Carlos Menezes (Carlito do Bicho), Evangivaldo, Briô, Morenito e Roque Pinto, dentre outros, acordaram em desfiliar a equipe cachoeirana da Liga Sanfelixta, organizando no valho campinho da Avenida Ubaldino de Assis uma competição chamada de “Torneio do Povo”, que foi ganho pelo Cruzeiro ao derrotar o Flamenguinho por 2 a 1, com gols de Quequita e Badú (a “arma secreta” do técnico Morenito), enquanto Baú de Pequel descontava para os rubro-negros cachoeiranos.

O Cruzeiro sagrou-se campeão com: Vando, João Marreteiro, Porrão, Bussuçu e Tito, Didi Zoião e Zé Melo, Carlyles, Quequita, Badú, Orelha de Coelho e Onildo, enquanto o Flamenguinho jogou com Ceguinho, Vitor, Baú de Pequel, Hugo Mascarenhas e Dito. Siri e Mario Codorna. Caçulinha, Valdir, Diquinha e Pequenininho.

Depois de um bem organizado campeonato, as pretensões dos esportistas cachoeiranos passaram a ser a participação no Torneio Intermunicipal. A Federação Baiana bateu o pé e considerou as dimensões do campinho da Avenida Ubaldino de Assis completamente fora dos padrões normais. Então, graças ao advogado cachoeirano Carlos Antonio Onofre da Silva, - Cacá -, e a um chamado “por fora” desembolsado por Carlito, A Federação aceitou como mando de campo cachoeirano aquela área em frente à Igreja do distrito de Belém.

Por sorteio, o primeiro jogo entre cachoeiranos e santamarenses foi exatamente a terra da dona Canô, Caetano e Betânia. Era um domingo, dia 25 de outubro de 1964, registrando-se um empate não obstante a enorme pressão exercida pela torcida local. Os cachoeiranos, em nítida minoria, foram hostilizados o tempo todo. O jovem Marquinho Gottschal não foi linchado porque Edi de Gegeu, ex-remador e de físico avantajado partiu pra cima e a turba se acovardou. Felizmente.

O jogo de volta programado para Belém da Cachoeira, no domingo seguinte, 01 de novembro, os torcedores santamarenses vieram em massa, não ficaram com medo de “receberem o troco” pelo que fizeram, mesmo porque trouxeram chefiando a sua comitiva, o então deputado Egídio Tavares. Os torcedores de Santo Amaro optaram por ficar no lado da estrada que liga Belém à Cachoeira enquanto os cachoeiranos se posicionaram em frente às casas de veraneio, onde ficou também a cabine provisória da Rádio Subaé.

O placar registrava um empate em 3 a 3. A torcida de Santo Amaro, insuflada pelo deputado, começou a zoar da mesma maneira como fizera em casa. A “força” policial comandada pelo delegado Benedito do Açougue com mais dois ou três soldados partiram com o intuito de conter os ânimos dos mais exaltados e foram desacatados e quase apanharam se não tivessem corrido juntamente para o lado da já revoltada torcida cachoeirana. Moirão. O pau comeu na Casa de Noca! Não sei mesmo como descrever aquela pancadaria envolvendo dezenas de pessoas. Guardei na minha memória uma ocorrência: o locutor da emissora santamarense narrava ao microfone “as cenas de barbarismo, a covardia da torcida cachoeirana ao agredir a indefesa torcida de Santo Amaro” quando levou uma bofetada desferida por Walter Gavazza que, visivelmente transtornado fazia em pedaços o cabo do microfone da emissora e bradava: “Respeite a Cachoeira, seu vagabundo!”

O primeiro título intermunicipal conquistado, conforme dito na crônica anterior viria quatro anos depois, no ano de 1968, portanto. Os finalistas, Jequié e Cachoeira empataram sem abertura de placar no primeiro jogo realizado na Cachoeira. Naquele jogo, Tião, o endiabrado ponteiro da seleção cachoeirana, o Garrincha das pernas certas, encontrou em Potó, um marcador implacável. O referido jogador voltou no segundo tempo com uma bandalha na cabeça. Levou uma “misteriosa” pedrada vinda da torcida feminina da seleção cachoeirana, mas, não se intimidou.

A partida em Jequié, apesar da recepção na chegada por parte do Tiro de Guerra comandado pelo sargento Idelfonso, que havia sido, também, instrutor do TG cachoeirano, na hora agá, passou a pressionar o árbitro, o empate em zero a zero permanecia, a torcida foi invadindo o campo, a área do jogo invadida, então, poucos minutos antes do término da partida, Badaró fez um gol lindíssimo e foi anulado pelo árbitro Anivaldo Magalhães. Uma sábia decisão para aquele momento. Validar aquele gol, naquele instante, as conseqüências seriam inimagináveis.

No jogo decisivo no Campo da Graça, em Salvador, Passarinho fez o gol do título.

O bi-campeonato cachoeirano se deu também no Campo da Graça, no dia 05 de janeiro de 1969, exatamente como acontecera com Jequié, mas daquela vez com o selecionado de Miguel Calmon.

A referida partida decisiva estava na prorrogação e nada de gol. O empate favorecida Miguel Calmon e a sua torcida já festejava a conquista do título. Até mesmo a Charanga já não tocava o famoso samba “Colher de Chá” enquanto alguns torcedores começavam a abandonar o estádio, quando ao dez minutos do segundo tempo da prorrogação, o lateral Paiva marcava o gol que deu a vitória e o título de bi-campeões aos atletas cachoeiranos. Vejam as voltas que o mundo dá: Paiva era santamarense nascido em Saubara.

Atuaram naquele jogo: Vadinho, Deca, Zé Fernandes, Balaio e Paiva. Zé Melo e Mario Codorna. Tião, Naguerete, Passarinho (depois Penedo), Antonivaldo e Coqueiro.

Houve muita festa na chegada da delegação cachoeirana. Apesar do adiantado da hora, os torcedores não arredaram o pé. No dia seguinte, programou-se uma “carreata monstro”. Embalados pela Charanga da Minerva, que estava alojada na caçamba da prefeitura, seguramente uma centena de veículos e bicicletas acabaram por optar em estenderem-se até a cidade de Muritiba, com o objetivo de homenagear-se o goleiro Vadinho. Em lá chegando, a recepção foi calorosa com fogos de artifício e a Emissora Radiovox transmitindo o evento ao vivo fazendo entrevistas. Claro que o locutor que vos fala deu uma “palinha”.

Quando a carreta desceu de volta, torcedores sanfelixtas entrincheirados, segundo soube depois, provocados por alguns torcedores penetras na caçamba onde estava a Charanga, que xingaram e fizeram piadinhas com os torcedores que estavam olhando a carreata passar. A pancadaria comeu solta! Vi, por exemplo, quando o então vereador Ari Mascarenhas saltar da sua camioneta para tentar apaziguar os ânimos, levar uma bofetada na cara desferida por Valdê, bancário do extinto Banco Econômico.

Com o trânsito engarrafado, optei por abandonar a rural em que eu estava e sair em desembalada carreira sob uma rajada de pedradas de batiam nas ferragens da ponte saindo fogo como se fossem tiros de uma metralhadora. Posicionei-me nas proximidades do antigo Posto de Lavagens de Veículos de Caboclo Sala, e vi quando arrancaram um vão da tubulação que levava água potável para São Felix. Um ato de puro vandalismo, com certeza, mas, meus amigos, o “vulcão” de água que passava da altura da ponte iluminado pelas lâmpadas fluorescentes, foi um espetáculo de rara beleza.

Comentou-se na cidade, depois, que o ferroviário Totó, havia sido chamado a depor no Comando do Exército em Salvador. Posso afirmar que ele não teve qualquer participação no ato.

No dia seguinte, tive de ir até São Felix a fim de fazer a compensação de cheques. Pude perceber pelos olhares que não estava sendo bem visto, mas, estava absolutamente tranqüilo, pois estava com o revólver do banco e tinha porte de arma. Dentro da agência do Banco do Brasil apareceu o Promotor Doutor Medrado com dois policiais para dar-me proteção. Logo depois apareceu Ensopado, antigo zagueiro, irmão do goleiro Moqueca, dizendo que tudo havia sido contornado e ninguém ia fazer “sidibesta” de tocar a mão em mim. Ainda bem, porque, confesso, na ocasião, embora de temperamento avesso à violências, se fosse ameaçado, picava fogo!

Na volta a gente conta as outras conquista e mais confusões. Fui!

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