segunda-feira, 8 de agosto de 2011

EM CACHOEIRA/BAHIA:CASOS SURPREENDENTES

O Carrilhão da Lira
Erivaldo Brito

Hipertensão,obesidade, depressão e diabetes, as chamadas doenças da terceira idade, têm tudo a ver com o sedentarismo.

Não obstante fazer uso de medicação para controle da pressão e da glicose, gosto de caminhar, que é uma atividade física leve. Um tal de Cooper botou o mundo todo pra correr, depois, antes de morrer, reconheceu que, “o ideal é caminhar!”

Em busca da prevenção para uma das piores doenças dos idosos, o mal de Alzheimer, venho exercitando o meu cérebro escrevendo as minhas lembranças, (que acabam sendo dos outros também, claro) e assim, contando com o beneplácito do caro leitor, mantenho a capacidade cognitiva para procurar informações e treinar a memória.

Eu sou do século passado. Você que está lendo este artigo naturalmente também o é. O fato meus amigos é que, somos privilegiados por termos testemunhado o início de um novo século e um novo milênio, o que muitas gerações com certeza não alcançarão.

Eu ainda alcancei uma disputa ferrenha pela hegemonia musical da Cachoeira entre as filarmônicas Lira e Minerva. A minha mãe de criação, Guigui Soares, contava que eles eram meninos, ainda, moravam na Rua das lojas, (atual Rui Barbosa), quando estavam à mesa, jantando, ouviram o som de uma filarmônica que ia passando. Correram todos para a janela. Era a Lira Ceciliana que estava desfilando no dia do seu aniversário, 13 de maio. O caçula dos Soares, Raul, apressado ao sair da mesa, bochechou um pouco de água no parapeito da janela. No dia seguinte, o comentário geral na cidade foi que o desfile ao passar pelo sobrado dos Soares, (amigos do deputado Dr. Ubaldino de Assis), jogaram uma bacia de água!

Tempo que passa. As irmãs Soares passaram a morar no sobrado 13, contíguo ao sobrado da Lira. O advogado Luiz Soares já havia até assumido a presidência da Lira, sua filha mais velha, Laura, minha madrinha, pertencia à Falange Feminina da referida sociedade, mas as irmãs Iazinha e Guigui (e eu também, por causa dos meus tios que eram músicos), continuamos Minerva. Éramos vizinhos do maestro Irineu Sacramento, sua esposa e sua única filha, Zizete.

O velho Irineu, conforme diziam no sobrado, era itaparicano de nascimento. Havia sido contratado para tocar em um circo que se encontrava armado na Praça Maciel, conheceu dona Pequena, namorou-a, casou-se e aqui fixou residência até que a sua filha também se casou e foram todos morar em Salvador onde Irineu veio a falecer.

Estamos em a noite de 1º de março de 1932. Irineu já estava à frente da regência da filarmônica. Aliás, desde os festejos do Centenário do 25 de Junho era ele quem fazia os ensaios. Contou-me, certa feita, uma filha do maestro Tranquilino Bastos, que chegou a tocar bombardino na Lira, que o seu pai mandara um recado para Irineu, quando a Lira ensaiava o “Hino à Cachoeira” (ainda não era o hino oficial da cidade): “Diga a Irineu que já está bom!”

Mas Irineu era perfeccionista. Supervalorizava a cantoria, ou seja, flautas, clarinetas etc. surgindo daí o mito de que “a afinação da Lira é muito melhor do que a da Minerva!”

Naquele dia a exatos três meses da Magna Data cachoeirana, a Lira já ensaiava todas as noites. O velho e exigente regente estava confiante de que a Ceciliana sairia às ruas tinindo, não obstante ter ficado chateado porque um dobrado novo, que dera tanto trabalho para ensaiar, que tinha uma passagem muito interessante com um solo de contrabaixo, proporcionou à molecada encaixar uma letra jocosa que acabou atezanando a vida de um dos mais ardorosos fãs da banda: - Quem manda na Lira é Durval Cocó!

Com o andar arrastando os chinelos, meio curvado, a fala mansa, Irineu chegava à sala de ensaio naquela noite de 1º de maio de 1932: - Vamos ensaiar uma música nova, - disse o saudoso regente -, ao mesmo tempo em que distribuía as partituras entre os músicos. A composição era o passo dobrado intitulado “Setenta e Nove”. Irineu aproveitou o ensejo para dizer a todos que, o autor, o conhecido musicista Osório Marcolino de Oliveira, que havia falecido recentemente, dissera a ele certa ocasião ser aquela a composição de que ele mais gostava.

Distribuída as partituras, Irineu bateu com a ponta da batuta na borda da estante, sinal convencional usado para que os músicos iniciem a execução. Mal os primeiros acordes se fizeram ouvir na sala, o velho carrilhão parado há muito tempo, emitiu aquele som característico: Blem!

Quase ninguém se deu conta do ocorrido, atentos que estavam para ouvirem a peça. A Lira continuava o seu ensaio executando os harmoniosos trechos para deleite dos presentes. Então, o velho relógio disparou: Blem! Blem! Blem! Blem! Blem!

O ensaio parou. Todos se entreolharam. Ninguém estava acreditando no que ouviram. Enfim, todos acabaram por acreditar que houve uma manifestação do espírito do autor da peça, Irineu inclusive, pois, o passo dobrado”Setenta e Nove” acabou mofando nas prateleiras e não figurava no repertório da Lira Ceciliana durante muitos anos.


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