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Por Erivaldo Brito
Os romanos cravaram uma sentença que, dentre tantas outras, chegou ao nosso tempo: '’Firmum in vitae nihil. Tempus edax rerum,“ ou seja, ‘’Nada na vida é permanente. Tudo o tempo devora.” Compete-nos, portanto, num preito de justiça, lançar luz sobre aqueles cachoeiranos esquecidos, e que de uma forma ou de outra deram sua cota de participação comunitária.
Os que acompanham o meu trabalho, desde o “Correio de São Félix” e “A Ordem”, sabem que eu sempre dei destaque aos fatos relevantes do passado, aos homens ilustres da Cachoeira, para que tudo não se perca no tempo.
Hoje, no entanto, vejo-me em uma situação difícil: falar do meu pai, exatamente para não deixar de assinalar a passagem do centenário do seu nascimento, no dia 15 do corrente.
Além do aspecto emocional, a cortina do tempo dificultou-me a tarefa de enfeixar o que foi a sua vasta produção literária.
Há anos, quando em estafante trabalho de pesquisa a fim de publicar o livro “Oradores e Poetas da Cachoeira”, impressionei-me ao encontrar um poema escrito por ele. Ei-lo:
O Coveiro
Era o Coveiro um velho muito forte,
Que trabalhava sem descanso ter,
O seu trabalho de lidar com a morte,
Em vez de tédio, dava-lhe prazer.
- Não há pranto que o velho não suporte!
- Ele julga que nunca há de morrer!
E assim, zombando até da própria sorte,
Sorrindo, trabalhava a bem querer.
Nunca chorava o mísero coveiro!
Tendo, porém, um dia, que enterrar
Com as próprias mãos o seu amor primeiro...
Fez duas covas numa cova só:
E junto ao seu amor foi se deitar
Para com ele transformar-se em pó.
Comerciantes estabelecidos em Caetité (BA), Jacintho Antônio de Brito (de origem portuguesa) e dona Antônia de Britto, atraídos pela pujança econômica da Cachoeira, resolveram transferir o domicílio para a referida cidade, trazendo o filho do casal, Domingos de Azevedo Britto, meu avô.
Na distante Aratuípe (BA), pelos mesmos motivos expostos, o casal João José Loureiro e Estefânia Leal Loureiro, avós do meu pai, também vieram para a Cachoeira, com as duas filhas nascidas naquela cidade, Aduzinda (minha avó Dudu) e Laura Loureiro.
Foi na Cachoeira que Aduzinda e Domingos namoraram, noivaram e contraíram núpcias, gerando os seguintes filhos: Jessé (o primogênito de cujo nome nunca ouvi falar), Antônio Loureiro de Britto (meu pai) Zelinda, Odete e Beline, meus tios.
Quando o meu avô, Domingos, decidiu separar-se da minha avó, levou consigo para o Rio de Janeiro o seu primogênito, Jessé, que deixou o apelido para o meu pai, que praticamente foi criado pela tia, Laura Loureiro de Souza, (a quem chamou a vida toda de “mãe Lalu”), casada com o fazendeiro Adolpho José de Souza. O casal residia na cidade de Castro Alves (BA) e tinha um filho também chamado Antônio Loureiro, só que era de Souza, primo carnal do meu pai, carinhosamente chamado em família de Toninho.
Meu pai e Toninho fizeram as suas primeiras experiências com as letras, elaborando um “jornal” manuscrito com letras de forma, em papel pautado.
Segundo Toninho, conversando comigo certa feita, “Jessé era um intelectual competente, prolixo, não tinha o título de doutor, porém, foi o mais brilhante autodidata que eu conheci”.
Como vimos, Jessé fez as primeiras letras na cidade de Castro Alves, depois, retornando à Cachoeira, realizou os seus estudos secundários juntamente com o aprendizado de artes gráficas nas oficinas da antiga “A Ordem”, então dirigida por Durval Chagas, tornando-se amigo íntimo de Cloriolando, o Landinho, filho de Durval.
Em breve espaço de tempo, Jessé tornou-se um dos mais respeitados e acatados tipógrafos da região.
Em 1934, quando da nova fase do jornal “A Cachoeira”, sob a direção de Anarolino Pereira, Jessé foi contratado como tipógrafo e revisor, sendo considerado o mais hábil da sua geração, a ponto de, eleito Prefeito da Cachoeira, Anarolino o haver nomeado Escrivão de Polícia, cujo Delegado era o industrial Francisco Moreira Pinto, pai do meu fraternal amigo, Roque Pinto.
Jessé fundou e dirigiu alguns periódicos na sua terra natal: “O Eco” (cuja edição de dezembro de 1939 circulou com 30 páginas) “O Bam-bam-bam”, “O Alfinete” (periódico bem-humorado com críticas espirituosas) e publicações esparsas por ocasião do carnaval ou do campeonato de futebol.
Dentre os aprendizes do oficio tipográfico ensinado por Jessé, destacaram-se dois, conforme depoimento prestados a mim: Luiz Gonzaga (depois dono do “Correio de São Félix”) e Felisberto Gomes, Briô, (que prestou inestimáveis serviços à memória cachoeirana, publicando semanalmente “A Cachoeira” até o fim dos seus dias).
A grande dificuldade em catalogar os escritos do meu pai, é que naqueles tempos todo mundo usava um pseudônimo, e ele adotou o “A” de antônio. “Lou” de loureiro e “Rito” de brito formando Alourito. É pena que eu tenha chegado a esta conclusão depois da trabalheira, remexendo jornais velhos. Hoje, já não disponho mais de condições para efetuar esse tipo de trabalho.
No jornal “O Eco” de sua propriedade a que já nos referimos, ele publicou o seguinte soneto:
Soluços d' alma
Tudo em mim é vazio! Hoje meu peito,
Apenas guarda a dor que crucia...
Felicidade é um sonho já desfeito
Desde o romper daquele negro dia.
Que deserto profundo no meu leito,
Onde contente o meu amor vivia! …
Soluça-me o coração, insatisfeito
Neste imenso clamor, nesta agonia!
E assim, sozinho, e triste, e desgraçado,
Tendo por guia, a dor, sempre ao meu lado,
Hei de trilhar pelo destino afora...
Até que um dia venha a morte amiga
Acabar, para sempre, esta fadiga,
Este suplício atroz, que me devora!
Este poema, parece-me que o poeta falava de um amor desfeito, que ele sempre deixava no ar, com uma senhorita chamada Dulce, filha do jornalista Artur Durval.
Já dizia um velho adágio que, “quando um amor se vai, logo um outro vem!” Foi então que Jessé conheceu a bela morena, tipo indiana, chamada Ester Lopes de Souza, filha caçula de Diocleciano Lopes de Souza e Astrogilda Moreira de Souza.
Casaram-se no dia 10 de janeiro de 1939 em audiência pública presidida pelo Meritíssimo Juiz de Direito da Comarca, Dr. Nicolau Tolentino de Barros, servindo de testemunhas Francelino Ferreira Mota, Júlio Borba, Manoel Sapucaia Sobrinho e Stelito Nazaré.
Na noite daquele dia, os neo nubentes que fixaram residência numa casa térrea situada na Travessa Souto nº 9, (parece-me que atualmente mudou para Monsenhor Fernando Carneiro), receberam a visita de familiares, colegas e amigos, destacando-se a presença da filarmônica Minerva Cachoeirana, de cuja corporação faziam parte dois dos irmãos da nubente, Edgar e Dió.
Manoel Sapucaia Sobrinho, autor da Jaculatória à Nossa Senhora do Rosário, colega de redação do meu pai, fez o brinde em nome de “A Cachoeira”.
O casal Jessé e Ester teve 15 filhos: Erivaldo, Edenildo, Erenildes, Evandira, Erione, Ednalva, Roque, Rafael, Roberto, Rubem, Railda, Ridalva, Reginaldo, Raimundo (Aroldo) e Regina Maria.
Jessé participava ativamente da vida social da Cachoeira. Era Irmão da Santa Casa, Monte Pio dos Artistas Cachoeiranos, dirigente da Liga de Futebol que ele ajudou a implantar juntamente com Walter Gavazza, Waldo Azevedo, Evangivaldo Borges e Silva, Lafaiete Almeida, Julião Gomes, Firmino Leite e um amigão do meu pai chamado “Homem de Aço” que depois montou uma pensão em Água de Meninos, em Salvador.
Sempre simpático, comunicativo, modesto, sem preconceitos, assoberbado por deveres de ordem familiar, aproveitando-se de haver sido nomeado Estafeta Especial, fazendo diariamente viagens de ida e volta para Feira de Santana, em classe especial da composição da Leste chamada de break, , iniciou um intenso intercâmbio comercial, culminando com a compra de uma tenda de barbeiro do pai de Waldo Azevedo e montando uma bem surtido de secos e molhados na parte térrea do antigo sobrado da sua “mãe Lalu”, hoje pertencente ao Dr. Pina.
A tenda de barbeiro a que nos referimos, ficava na rua Coronel Albino Milhazes, local de boêmios e pagodeiros da cidade, tipo Raimundo Santana, Deraldo Relojoeiro, Deraldão Sapateiro, Domingão, Zelestreco, Burcano e outros comerciantes. Aquela artéria e mais Rua Lauro de Freitas até a sede da Lira, eles intitularam da “Bacia do Iguape” sob a inspiração de Jessé.
Dele, sobretudo os seus filhos com quem ele sempre foi meigo e educado, e as pessoas que tiveram o mérito de conhecê-lo pessoalmente como os antigos colegas dos Correios e Telégrafos, poderão dar melhor testemunho. Naquela repartição, juntamente com os colegas Nélson Lobo e sua esposa dona Odete, dona Dede, Gegeu, Waldir (filho de Gegeu), Vadinho Raposo, José Aragão, Jorge Carteiro, Gilberto, Heraldo, João Fé em Deus, e outros que no memento não consigo lembrar, criaram a Cooperativa dos Correios, a primeira do gênero na cidade.
Ao completar 50 anos de vida, Jessé deixou de ser aquele homem alegre, divertido, bem-humorado. A insidiosa doença que contraíra, mudou completamente o seu comportamento, tornando-o introspectivo e melancólico.
No dia 22 de junho de 1958, dois meses antes de completar 53 anos, Jessé rendeu a alma ao Criador, tornando-se mais um dos cachoeiranos a fazer parte da Galeria dos Esquecidos, um dos injustiçados, pois ele foi um dos pioneiros e baluartes da antiga imprensa cachoeirana.
Na passagem do centenário do seu nascimento (15 de agosto), nós os seus filhos, netos e bisnetos, declaramo-nos gratos ao jornal “O Guarany”, na pessoa do seu ilustrado presidente executivo, professor Pedro Borges dos Anjos, pela concessão generosa na publicação desta memória.
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Como sempre, muito bom o texto do Sr. Erivaldo Brito. Fico impressionada com tanta memória. Sensacional!
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirMuito bom! Fiquei emocionada ao saber das minhas origens. Que poesia linda! Parabéns ao Guarany e obrigada pelo espaço. Bjs painho!
ResponderExcluirTive o privilégio de ler o texto antes mesmo de sua publicação, de modo que já tinha me emocionado antes.
ResponderExcluirPois é.... Mesmo agora fica difícil conter a emoção.
Não sabia que o vovô Jessé tinha sido poeta também. Lindo!
É pai, você tem a quem puxar no que tange ao dom da escrita!! Espero que a genética tenha sido generosa comigo também! Rs!