Jacareí, um dia já famosa por seus biscoitos, no interior paulista, acaba de entrar no mapa como a primeira cidade a celebrar um casamento gay no Brasil. Nesta semana, o juiz Fernando Henrique Pinto (piada pronta…) converteu a união estável de Luiz André Moresi, 37, e José Sérgio Souza, 29, em casamento.
A decisão divide juristas quanto a sua constitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo, abriu caminho para que alguns juízes de primeira instância autorizem também o casamento gay. Na ocasião, porém, o STF não autorizou o casamento; sequer analisou a questão. Daí o imbróglio. O STF somente irá avaliar quando e se provocado. O casamento corre o risco de ser anulado. Até lá, os juízes fazem o que bem entender no assunto.
Mais ao chão, em ponto de ônibus, repartição e mesa de bar, o juiz Fernando Henrique Pinto dá um esbregue numa sociedade ainda repleta de preconceito e reafirma a disposição – constitucional, diga-se – de que as pessoas são iguais independentemente de credo, raça, religião e, claro, orientação sexual.
A maioria dos brasileiros é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, como mostraram pesquisas de opinião na última eleição presidencial . Fato, aliás, que desatou oportunismo eleitoreiro em nível inédito. Católicos e evangélicos se opõem ao casamento gay, e grupos ferozmente conservadores se mantêm vivos ao reverter tara em voto. Apenas para citar exemplos da semana, Myrian Rios e Jair Bolsonaro dividem o troféu homofóbico.
Pior, o preconceito no Brasil não está restrito ao discurso. O montante de assassinatos de homossexuais, travestis e lésbicas no Brasil aumentou 31,3% em 2010 em relação ao ano anterior, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB).
Previsível que nesse ambiente o casamento entre gays sofra tanta resistência. O preconceito, nesse caso, parece ainda maior justamente pelo fato de o casamento ser, em tese, a coisa mais careta do mundo. Ou seja, uma inversão, como se o gay se recusasse a desempenhar o papel esperado pelo preconceito, em que a degeneração seria seu lugar apropriado.
A associação entre homossexualidade e depravação é o que conforta uma cabecinha recalcada, incapaz de imaginar um núcleo familiar fora dos moldes tradicionais, em que relações de poder não dão a liga, mas sim o amor. Confusão que talvez fosse melhor resolvida se não subtraíssem o sentido original do dístico positivista da bandeira nacional: “O Amor por princípio, a Ordem por base, o Progresso por fim”.
Pois que o amor nos redima. Este é o recado de Jacareí, que assume vanguarda inesperada. A comemoração é prematura, mas motivo de orgulho para um jacariense como eu.
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