IDAS
E VINDAS
Andersen
Figueiredo*
Preciso rabiscar, preciso agrupar as palavras, preciso
ter idéias, preciso relaxar, pois estou com prisão de ventre mental.
Penso em algo, de repente desaparece a idéia. Vou
respirar bem fundo e depois soltar bem lentamente. Digo trinta e três. Paro. Não
estou tuberculoso, estou com prisão de ventre mental. O melhor remédio será
passear, ver pessoas, conversar, ufa! Já sei o nome deste artigo: idas e vindas,
em virtude de um motorista muito carismático. Falava de muitas coisas, às vezes
sem lógica, mas o importante era expressar o que sentia. Vamos adiante, o carro
não colaborava muito, pois era velho e batia quase tudo. O amortecedor não prestava,
a descarga não existia e cheirava mal. O motorista falava de política,
dinheiro, traição, futebol, da sociedade em geral.
Viagem de táxi é assim, a conversa vai, a conversa vem,
as perguntas são lançadas e as respostas nem sempre são condizentes com a
pergunta. Assim, perguntei ao motorista: morar no interior é bom, meu senhor? “Demais,
morar aqui é gostoso, a vida é tão boa que se torna chata. Aqui tem tudo, menos
emprego. Aqui é bom, só é ruim a violência. Aqui tem muita gente bonita, mas de
vez em quando aparecem rostos horríveis. Aqui chove direto, mas tem dias que
faz um sol de matar. Aqui tem muita abundância, mas têm pessoas que passam
fome. Aqui é alegre, mas durante a semana parece um cemitério de tão triste que
é. Aqui é uma cidade bonita, bem urbanizada, mas tem bairros que são bem feios.”
Apesar de tantas idas e vindas e de tantas
contradições na fala do motorista, a conversa não estava ruim. O motorista
prossegue: nasci aqui, gosto muito daqui, se tivesse de nascer de novo,
nasceria em outro lugar. Mas gosto daqui, amo esta terra. Tudo que tenho,
conquistei sendo motorista. É uma boa profissão, mas, às vezes, não presta.
Esta estrada só tem curvas, mas tem uma parte nela que
é reta. Não tem quebra- mola, só tem um logo no final da pista. O melhor dia
pra se ganhar dinheiro é segunda-feira, pois tem muita gente na estrada a
procura de carros. Hoje é segunda-feira e não tem nenhum passageiro, não sei
qual o motivo.
O motorista prossegue: a melhor coisa da vida é
dormir, mas se dormir muito não presta, é preciso ficar acordado, pois quem
cochila vacila. Dinheiro não é tudo, mas é a solução. Gosto de conversar muito,
mas o silêncio é a melhor resposta em determinada situação. Não gosto de
mulher, acho todas falsas, mas gosto da minha mãe. É uma vergonha um jogador
ganhar milhões, só pra correr atrás de uma bola, acho ridículo, mas o meu
esporte favorito é o futebol.
A conversa continua: cigarro faz mal à saúde, se você
fumar demais. Bebida é ruim, mas uma cervejinha no final de semana não faz mal
a ninguém. Música só clássica, mas o pagode gosto de curtir. O bom da vida é ir
e vir, mas se achar alguma coisa interessante no meio do caminho é bom. O
casamento é bom, pena que existe o divórcio. A Bíblia é o livro da verdade “O
Senhor é o meu pastor, nada me faltará.”
É meu amigo, os cabos de freios, o cabo de marcha,
ambos já foram embora, estamos perdidos ou achados? O final desta conversa só
amanhã de manhã, ou não.
*Andersen
Figueiredo é professor.
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