Lula assume papel decisivo na organização das manifestações em todo o país
Ex-presidente da República e um dos principais atores políticos da esquerda brasileira, Luiz Inácio Lula
da Silva assume, definitivamente, o seu papel de liderança nos
movimentos sociais que tomaram as ruas do país, em uma série de
manifestações que chega à sua segunda semana. De sua base, na sede do
Instituto Lula, nesta capital, o principal aliado da presidenta Dilma
Rousseff na elaboração de uma agenda política para a realização de um
plebiscito, provavelmente em agosto, intensifica os encontros com os
movimentos sociais mais próximos do Partido dos Trabalhadores (PT).
No mais recente encontro, na véspera, com jovens de grupos como o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a União da Juventude
Socialista (UJS), o Levante Popular da Juventude e o Conselho Nacional
da Juventude (Conjuve), Lula ofereceu o diapasão para afinar o discurso
dos movimentos sociais. Em lugar da esperada mensagem de conciliação e o
pedido de calma aos manifestantes, o momento é de “ir para a rua”,
afirmou o ex-presidente. A reunião, no bairro do Ipiranga, em São Paulo
não contou com a presença do Movimento Passe Livre (MPL), nem do
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
– O (ex-)presidente queria entender essa onda de protestos e avaliou
muito positivamente o que está acontecendo nas ruas – disse a
jornalistas André Pereira Toranski, dirigente da UJS, que conta
majoritariamente com militantes do PCdoB.
Outro participante do encontro, que preferiu o anonimato, afirma que
Lula “colocou que é hora de trabalhador e juventude irem para a rua para
aprofundar as mudanças. Enfrentar a direita e empurrar o governo para a
esquerda. Ele agiu muito mais como um líder de massa do que como
governo. Não usou essas palavras, mas disse algo com ‘se a direita quer
luta de massas, vamos fazer lutas de massas”.
Em nota publicada em seu perfil na rede social Facebook, na última quinta-feira, Lula já se mostrava favorável às manifestações
ocorridas desde o último dia 13 em várias cidades do Brasil: “Ninguém
em sã consciência pode ser contra manifestações da sociedade civil,
porque a democracia não é um pacto de silêncio, mas sim a sociedade em movimentação em busca de novas conquistas”, declarou.
Em São Paulo, Lula apoiou a negociação entre o governo e os
manifestantes, que reclamavam do aumento no preço da passagem de ônibus.
Na ocasião, o ex-presidente demonstrou confiança no trabalho do
prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ministro da Educação durante seu
governo.
– Estou seguro, se bem conheço o prefeito Fernando Haddad, que ele é
um homem de negociação. Tenho certeza que dentre os manifestantes, a
maioria tem disposição de ajudar a construir uma solução para o
transporte urbano – afirmou. Apenas alguns dias depois, Haddad revogou o
aumento de R$ 0,20 no preço da passagem.
Plebiscito
De sua parte, a presidenta Dilma também seguiu os conselhos do amigo e
antecessor no cargo e vem promovendo, desde o início desta semana, uma
série de encontros com os movimentos sociais. Na véspera, Dilma recebeu
os representantes de oito centrais sindicais e dedicou 40 minutos da
reunião para explicar aos dirigentes como serão norteadas as ações para
os cinco pactos anunciados pelo governo – com vistas à melhoria dos
serviços públicos – e destacou a importância de ser convocado um
plebiscito no país para discussão da reforma política. Embora a
presidenta não tenha sido explícita no apelo às centrais, a sua fala na
abertura do encontro foi vista pela maior parte dos presentes como uma
forma de pedir o apoio das entidades para as medidas divulgadas nos
últimos dias.
A presidenta admitiu que é preciso aprimorar a interlocução com as
centrais e disse concordar com as críticas das ruas sobre a qualidade
dos serviços públicos. Afirmou, ainda, que a pressão das mobilizações
está correta e ajuda na transformação do país. Participaram do encontro
representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos
Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), União Geral dos
Trabalhadores (UGT), Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) e
Força Sindical, bem como Central Geral dos Trabalhadores do Brasil
(CGTB), CSP-Conlutas e Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), além de
técnicos do Dieese.
Os sindicalistas apresentaram os principais itens definidos na pauta
traçada nos últimos dias com solicitações ao governo, tais como
melhorias na qualidade do transporte público e redução das tarifas, mais
investimentos na educação e na saúde, retirada de tramitação, no
Congresso, do Projeto de Lei 4.330 – referente à regulamentação das
atividades de terceirização, fim do fator previdenciário e aumento dos
valores das aposentadorias, reforma agrária e redução da jornada de
trabalho para 40 horas semanais. Dilma deixou claro que essa pauta será
negociada como um todo e que o governo apresentará uma resposta até
agosto.
Mesmo lembrando que alguns desses temas precisam ser discutidos e
negociados no Congresso e ressaltando a importância de as centrais
participarem dessas negociações, a presidenta assegurou, no que se
refere ao PL 4.330, que embora não possa vir a vetar o projeto inteiro,
não deixará que sejam retirados direitos dos trabalhadores. Além disso,
ela enfatizou que não aprovará qualquer projeto sem que exista acordo
entre trabalhadores, empregadores e governo e que atenderá à
reivindicação das centrais de estabelecer um canal de diálogo
permanente, conforme relatou, ao final do encontro, o presidente da CUT,
Vagner Freitas.
– A reunião não teve o objetivo de discutir a pauta dos trabalhadores
e sim o atual momento político do Brasil. Colocamos para a presidenta
que é preciso levar em consideração, nesse debate, os interesses dos
trabalhadores organizados. Foi um espaço para que discutíssemos o que
está acontecendo e como devemos fazer para que o movimento crie
propostas progressistas – afirmou Freitas.
Durante sua fala à presidenta no encontro, o dirigente da CUT
ponderou que as melhorias nos serviços pleiteados pela população só
existirão com o investimento na rede pública.
– O governo tem de se debruçar sobre a saúde, transporte, educação e
segurança pública de qualidade. Não adianta querer melhorar
privatizando. Apontamos que a resposta tem de vir do Estado e ela (a
presidenta) concordou – disse, ao sair do Palácio do Planalto.
No próximo dia 11, as centrais prometem ir às ruas em todo o país pela aprovação de sua pauta de reivindicações.
Das ruas às urnas
Para Luiz Carlos Antero, jornalista e escritor, colunista e membro da
Equipe de Pautas Especiais do sítio Vermelho.org, o plebiscito pela
reforma política é uma das propostas que “podem surtir um maior
impacto”. Em um debate mais amplo, segundo o analista, “pode contribuir
para uma maior participação popular e para aprofundar a democracia no
Brasil, destacando-se em especial aspectos como o do financiamento
público de campanhas”.
“Entretanto, ainda mais que compreender o que se passa no Brasil no
atual momento, é indispensável e urgente o esforço da apresentação de um
afirmativo e unitário programa popular e democrático enquanto fio
condutor das lutas de rua — para as quais qualquer pauta institucional e
toda pausa na movimentação terá um sentido provisório e cumulativo,
distante do improvável êxito do pensamento ou desejo de uma nova
acomodação” afirma.
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